sexta-feira, 20 de junho de 2008

A Paixão Segundo o Hiperconsumo

Como dito anteriormente, a máquina é responsável pelos mais modernos sistemas geradores de padrões e realidades. Antigamente, no mundo pré-máquina, o homem apenas andava por aí, livre, sem um caminho definido para ser percorrido. Hoje, ao nascer, a máquina recebe o humandróide com uma série de escolhas que precisam ser realizadas por seus pais: "Seus filhos precisam receber o melhor". Então devemos comprar o melhor leite - pois o leite da mãe, aos poucos, está deixando de ser a melhor opção -, o melhor berço e o melhor carrinho. Devemos dar a melhor educação e sermos os melhores pais do mundo.

Ou seja, somos as melhores pessoas, somos os melhores pais, somos os melhores filhos e ainda assim o universo não vai bem de saúde.

Esta competição é produto da própria máquina. É interessante porque sempre haverá alguém a sua frente e se faz necessário alcançá-lo. Os espólios da máquina são os objetos: eles são o termômetro e definem o ranking do melhor homem. O melhor carro, o melhor relógio, a melhor casa, a melhor televisão, e, assustadoramente, a melhor família. A família já se transformou em um objeto assim como o telefone celular. Não é anormal uma mãe, exibindo-se, afirmar que seu filho ingressou numa faculdade estadual, como se o mérito fosse dela. Nesta situação, o seu filho também é um objeto.

Também exibimos o nosso MP3 Player de ultima geração como uma maneira de chamar a atenção. Temos o iPhone e o iPod com designs exuberantes como objetos de conquista para enfeitar o próprio homem. Não preciso nem falar sobre o consumo de carros.

Perceba que tudo está ligado a imagem. O que vale, para os humandróides, é aquilo que é exposto, que pode ser visto pelos outros, e que é motivo de admiração por outros humandróides. É o tal do status.

Aí reside o hiperconsumo. Podemos dizer que hiperconsumo é todo o consumo realizado para além da necessidade aliado ao consumo repetido de um mesmo objeto com características diferentes. Também podemos acrescentar o consumo de um hiper-objeto, como a aquisição de valores astronômicos de um objeto de coleção, como um figurinha rara ou as meias usadas de um jogador de futebol.

Na abstração da definição, podemos utilizar o telefone celular. Embora ele não seja uma necessidade essencial, a simples aquisição não configura hiperconsumo justamente por se tratar de um novo apetrecho. A aquisição de um celular é somente o efeito de uma sociedade do consumo controlada pela máquina, visto que o celular é uma "necessidade" criada simplesmente para vender como um bem necessário.

No hiperconsumo, há a troca de um objeto pelo mesmo objeto, num círculo infinito, onde em cada troca obrigatoriamente, devemos, dispor de mais dinheiro para readquirir o mesmo objeto. O exemplo do celular é excelente: a cada ano pessoas que já possuem um telefone celular compram outro justamente porque é mais novo. Para isto, a máquina trabalha o conceito marxista de mais-valia. Agregam novas funções, o produto é mais valorizado e a propaganda trabalha para passar a sensação de bem-estar e conforto após a aquisição.

A possibilidade de bem-estar e conforto é simulada. Só é possível devido à hiper-realidade: criam-se holofotes que fazem com que a vida passe despercebida. Assim é possível vislumbrar acontecimentos como o aumento da carga tributário, escândalos no senado, casos de corrupção e extrema violência, e ainda assim, se sentir confortado pelos objetos que um humandróide adquiriu. Pois dentre seu leque de consumo, existem os objetos que transmitem segurança, como os apartamentos, a televisão e carros grandes (quando não blindados). Criamos uma realidade que parece distinta das outras realidades que "sempre ouvimos falar".

Devido a covardia dominante no ser humano, que se policia de suas conquistas para exercer influência nas relações de poder, existe uma pré-disposição em se manter na defensiva ao invés de atacar. Por isto vale mais a pena se manter distraído, apegado ao conforto e bem-estar, ainda que simulado, do que lutar por uma sociedade mais justas e por direitos de igualdade. Nesta visão, vale destacar que o hiperconsumo serve para adquirir espécies de "armas" de proteção psicológica, de modo que o que vale é a hiper-realidade criada para si, que substitui integralmente a realidade anterior, que na prática é a mesma para todos os seres. É mais cômodo fugir da responsabilidade da mudança, assim como culpar fatores externos - como o próprio termo indica, algo que está para além de seu próprio mundo - no que cerne à eventuais acontecimentos orientados para o mal.

Para concluir este post, o hiperconsumo é uma propriedade, um atributo, da máquina, principal arquiteta do mundo como vivemos hoje. Metaforicamente, a máquina é como o deus-dinheiro, seu filho divino é o hiperconsumo, assim como a hiper-realidade se encaixa como espiríto santo. Os três são um e nenhum existe sem o outro.

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