quarta-feira, 18 de junho de 2008

The Raskólnikov's Dream

No quinto capítulo de Crime e Castigo, o principal romance de Fiódor Dostoiévski, a personagem de Raskólnikov tem um pesadelo que lhe faz acordar assustado e suado: ainda criança passeia com o seu pai pelas ruas de São Petesburgo. No caminho, em uma taverna, diversos camponeses bêbados gritam e dão risadas ao lado de fora. Logo ali se encontra uma pequena égua, frágil e, como o próprio autor descreve, somente em pêlo e osso (provavelmente pela falta de cuidados dos seus donos). Um mujique, que se declara como o proprietário do animal, pede para todos subirem na carroça, para que a égua leve a todos. Ao todo, sobe em torno de nove pessoas na carroça. Obviamente, nem mesmo o mais forte de todos os cavalos aguentaria tamanho peso, imagine então a pobre égua.

Embora o mujique tenha consciência de que seria impossível que um cavalo conseguisse mover uma carroça com tamanha carga, ele procure apenas uma justificativa para agredir o animal. Para confirmar este raciocínio, o que vemos adiante é a descrição de um ato de selvageria extrema: o mujique começa a açoitar escandalosamente a égua. Ela tenta, em sinal de desespero, uma inútil força para tentar se locomover, porém todo o esforço é em vão. Então o mujique pede a ajuda de outras pessoas que estão na carroça para açoitar o animal. Sendo assim, outros tantos começam a agredir a égua. Lhe cercam e lhe ferem com outros tipos de armas, como porretes e cordas. A égua até tenta dar alguns coices como mecanismo de auto-defesa, mas depois não resiste e acaba morrendo. É o ápice. O público gargalha com este ato de violência.

A idéia não é fazer uma análise deste sonho - ao menos não neste post. Se o leitor quiser uma análise bem interessante e profunda, pode visitar este site que faz um estudo em diversos sonhos de personagens dos romances de Dostoiévski. A minha idéia deste post é apenas fornecer um ponto de livre reflexão e trazer este pesadelo à realidade dos dias de hoje.

Se recordam quando em 2002, um criminoso conhecido popularmente como Elias Maluco, torturou, assassinou (a golpes de espada) e incendiou o jornalista Tim Lopes? Diversos outros traficantes participaram da festinha, exaltados pela tortura. Alguns relatos, segundo o livro Narcoditadura, do criminólogo Percival de Souza, dizem que o corpo de Tim Lopes foi arrastado pela favela, como um espólio a ser exibido.

Qual é a diferença entre o sonho de Raskólnikov e o caso Tim Lopes? O primeiro é um sonho, o segundo é um fato. O primeiro trata de uma ficção de Dostoiévski, o segundo é a realidade de nossos dias. No primeiro temos um animal sendo torturado brutalmente até a morte, no segundo se trata do próprio homem.

Afinal, o que é o homem? Do que se trata esta barbárie provocada pelas massas? De uma coisa estou certo: o homem é covarde. Ele só age com violência se está convicto que irá levar vantagem. O homem covarde precisa andar armado. É a arma que lhe faz homem. Se não estiver armado ele não é nada. Novamente o objeto define um papel fundamental na sociedade, neste caso nas relações de poder numa classe miserável: a classe daqueles que não tem compaixão, que não se importam pela vida do ser, que não se importam com toda a história que se produziu até aqui, que não tem amor a vida alheia, e que é objetivado somente por sua própria sobrevivência.

Este post não é tão filosófico como os demais, porém foi motivado por acontecimentos como estes, que dizem respeito a alma animal e irracional do próprio homem, que campos, como a psicanálise e antropologia, e correntes, como a existencialista, surgiram. Há aqueles que irão tentar explicar a natureza grotesca do pensamento violento humano através da ciência, e outros que irão simplesmente aceitar toda esta barbárie como condição sarcástica e aleatória da própria vida, que é injusta por si só ao tratar diferentemente os homens por sua sorte de berço. Neste caso, temos inúmeros casos para serem estudados: se a orientação natural do homem for inclinada a violência e a covardia, basta uma análise genética e a correção de algum - ou alguns - cromossomos para resolver o problema. Caso o homem seja produto de seu próprio meio, independente da classe social, então o problema é de origem social, não apenas econômico, mas cultural, educacional e moral.

O que me entristece é que como o homem poderá protestar a respeito de nossa enorme carga tributária, dinheiro arrecadado que sabemos que é destinado diretamente os bolsos de nossos desprezados políticos, se ele também se corrompe facilmente em seu meio? Se ele é inclinado a querer levar vantagem em tudo e se ele olha somente para si? Como me unir à pessoas que não carregam nenhum sentimento de culpa em sua moral? Será que é somente os outros que erram? Que seus pequenos crimes - como fumar um inofensivo "baseado" ou mesmo comprar 3 DVDs por R$ 10,00 nos vendedores ambulantes - não irão alterar em nada o percurso da própria vida e o desenvolvimento de nossa sociedade?

É preciso se desprender de todas estas distrações, rasgar a camada do irreal e viver a vida que acontece do lado de fora dos holofotes que enxergamos. É preciso ir além, ultrapassar as barreiras da compreensão e mudar! Sim, é preciso mudar! Eu preciso que vocês enxerguem que o mundo precisa de vocês e que todos são responsáveis, para o bem e para o mal, sobre o que acontece em nosso dia-a-dia. Todos são responsáveis! Ninguém é isento de culpa! Esqueça este negócio de "aquele que não tiver pecado que atire a primeira pedra", como se fosse uma sentença de que todos caminham pelo errado da vida. Não é preciso ser errado. Não é preciso pedir perdão. Basta que não sejamos transgressores. Basta que não se faça o mal.

Posteriormente tentarei adequar este pequeno artigo dentro de meu sistema filosófico, afinal por trás de tudo está a máquina como a controladora deste grande jogo, com seus modelos geradores de hiper-realidade.

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