quarta-feira, 4 de novembro de 2009
Cristo, Fantoches e a Santa da Uniban
Uma figura que seria lembrada posteriormente caminhava por entre multidões de agressores que bravamente urravam insultos motivados por um ódio coletivo que beirava a histeria. Por que estavam ali, não sabiam, por que se aglomeravam em torno daquele ser, não sabiam, por que xingavam, também não sabiam. Apenas acompanhavam, como num efeito dominó, uma cólera desenfreada sem nexo nem coerência. Eles apenas queriam fazer parte daquilo. Ponto.
Enquanto isto a vítima daquelas ofensas não entendia as motivações que lhe levavam direto ao seu Calvário. A incompreensão de um comportamento desvairado de massa fez com que ela fosse crucificada mediante ao seu próprio mundo.
Este episódio poderia fazer menção à Jesus Cristo ou mesmo às bruxas de Salém, porém se trata do martírio de um espírito que passeava por estas bandas e acabou violentada por uma série de demônios que se disfarçavam de bons moços. Estamos falando da nova sensação do YouTube, do novo objeto de consumo viral, se trata da estudante da Uniban ABC, que foi hostilizada por toda uma nação de estudantes da universidade somente por aparecer com uma vestimenta que expunha partes do seu corpo.
A maior parte das pessoas que comentaram este assunto com opiniões que condenam o comportamento agressivo dos estudantes (sim, existem opiniões que os apoiam) são focadas na hipocrisia de uma neossociedade moralista, o que de fato não somos - ou melhor, não queremos ser: o respeito a diferença é parte integrante da evolução espiritual do mundo, embora saibamos que a coisa não é bem assim (vide católicos x evangélicos, carecas x emos, corinthianos x são paulinos, piquet x briatori, muçulmanos x o mundo e outros conflitos).
A minha análise, entretanto, não é centrada na hipocrisia social, mas nos comportamentos massificados e na transferência de opinião. Li em algum lugar o que iniciou a transformação de uma universidade num centro de formação de berserks. Basicamente a garota disse que não era a primeira vez que ela havia ido para a universidade com aquela roupa, e nas outras vezes não teve nenhum problema, nem mesmo nas ruas. Mesmo naquele dia, a garota afirmou que foi de ônibus para o seu curso e não houve hostilização de ninguém no percurso. Ao chegar na universidade, entre uma roda de amigas, elas começaram a elogia-la, porém alguns meninos que estavam ao lado se exaltaram e começaram a passar um pouco dos limites. Em instantes, outros grupos passaram a ofender a garota, que de sensual passou a ser vista como meretriz, e logo toda a universidade participava da agressão verbal.
Se a garota não houvesse se trancado em sua sala de aula, uma tragédia maior poderia ocorrer. Para isto, bastaria que apenas uma pessoa desse um leve tapa na garota. Isto acenderia o estopim e outras pessoas imediatamente participariam de um espancamento coletivo e sem razão de ser. Não é a primeira e nem a ultima vez que isto acontece. Basta apenas que um líder de um grupo de dois tome a iniciativa para que os outros passem a imitá-lo.
O efeito dominó foi comprovado por diversos experimentos sociais. Se você estiver caminhando pela rua e ao dobrar a esquina você se chocar com um batalhão de pessoas correndo no sentido contrário, você não hesitará um segundo em acompanhá-las. Outra experiência se dá quando uma voz de autoridade expõe uma ordem: você a cumpre sem questionar. Uma experiência britânica no documentário "Animal Farm" mostrou uma pessoa que se vestia como policial ordenasse que as pessoas não pisassem num determinado quadrado na rua, e as pessoas, claro, não questionaram nem a autoridade e nem o motivo da ordem: simplesmente desviaram do quadrado.
Isto mostra que somos seres condicionados por um primeiro movimento que desencadeia numa série de comportamentos repetidos, ainda que não questionados. No efeito dominó, basta que um inicie uma ação que desencadeie em excitação que aumente a adrenalina. A probabilidade de atingir o todo aumenta com a adesão de alguns poucos adeptos. No caso da garota da Uniban, bastou que um ou dois demonstrassem um comportamento abusado, que todos os outros foram contagiados e seduzidos a fazerem parte daquilo. Este protótipo de marionete denota o perigo de trazer a liberdade para aqueles que não sabem o que fazer com ela. Hobbes tinha razão ao afirmar que caso o poder do homem não seja transferido para uma figura soberana, não ficará pedra sobre pedra no mundo.
No que concerna ao meu pessimismo em relação ao homem, uma possível solução para que as pessoas não corram risco de vida seria resguardar a sua privacidade somente para si. Não mencionem suas crenças ou suas preferências mediante ao público, pois a nossa parte animal mais maquiavélica pode sobrepor a razão - que muito nos faz falta em situações de autocontrole. Claro está que isto não é uma solução, mas uma precaução por vivermos numa selva de animais.
Há centenas de exemplos de condicionamento por transferência de opinião, principalmente se pegarmos o campo das religiões. Excluindo da crítica o autêntico religioso, que é aquele que estuda a doutrina acirradamente e que conhece bem aquilo que crê, existe milhares de pessoas que fazem parte do ciclo religioso apenas por modismo, por pressão social, por cultura de massa ou por exigência de sua família. Estas pessoas apenas querem fazer parte daquele grupo e absorvem as opiniões da crença sem analisá-las. A meu ver um bom religioso é um religioso crítico. Como consequência destes grupos de 'fé', temos na história alguns graves casos de suicídios coletivos, motivados por um líder religioso como caminho para a salvação eterna.
Ainda há o condicionamento de consumo, onde objetos movem multidões histéricas para que sejam consumidos, vide lançamento de eletrônicos. Também temos o condicionamento da opinião pública, conduzidos pelas mídias de acesso geral. Por fim, eu não poderia deixar de citar o nazismo, o maior episódio de histeria coletiva. Uma loucura praticamente sem explicação quando relacionamos a barbárie empregada neste movimento maior.
Se alguém afirmar que o episódio do nazismo em muito difere ao da garota da Uniban, recomendo que vocês procurem se informar a respeito da experiência do professor Ron Jones, cujo relato inspirou o filme alemão Die Welle, que condicionou toda uma classe de modo a demonstrar como mesmo um movimento tão radical como o nazista poderia voltar mesmo nos dias de hoje.
O ser humano é fraco e pede para que alguém tome decisões por si. Se livrar de grande parte do tormento das escolhas é um desejo implícito no íntimo de cada um. Porém executar ordens sem analisá-las e questioná-las geralmente tem impactos negativos em ambas as partes: após a adrenalina baixar, o que fica é o arrependimento e a vergonha - isto quando a culpa não é transferida para o líder como válvula de escape de uma boa consciência quanto ao seu papel no mundo. Por isto seja crítico, pense e não deixe que o seu pensamento seja conduzido. A luta desta caverna é contra o pensamento fabricado, então faça parte de uma fábrica de ideias.
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Realmente é exatamente isso que se passa. Pude comprovar eu mesmo essa situação a poucas semanas na minha faculdade, quando tentei comentar um assunto um pouco mais profundo com um bando de meninas. Fui praticamente apedrejado com palavras rudes e tachado como "vivendo no mundo da lua" enquanto riam e zombavam do conhecimento que eu levei anos para adquirir e que tanto prezo. O pior é que essas pessoas quando estão isoladas até que parecem ser boas, mas quando estão em grupo tornam-se agentes da máquina. Eu não reconheço mais minhas colegas que me tratavam bem só para que eu fizesse as atividades para elas. Assim que não precisaram mais de mim (por estarmos no final do curso) despejaram em mim uma enxurrada de insultos na frente de todos. O motivo foi que eu mencionei um assunto proscrito nas rodas de conversa: filosofia!
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