quarta-feira, 10 de março de 2010

Sobre Interpretações - A Verdade Não Há


Recentemente tive o imenso prazer em descobrir um fórum da banda inglesa Radiohead cujo criador do tópico enaltecia o meu trabalho de análise realizado com o álbum OK Computer. Claro que eu fiquei muito contente com a simples menção deste estudo, porém a sequência da discussão entre outros membros do fórum me levou a uma reflexão.

Para resumir, alguns membros disseram sabiamente que em minhas palavras encontrava-se uma visão muito particular da obra dos ingleses, que não necessariamente representava a visão da banda que criou o álbum. Iniciou-se, inclusive, uma breve discussão onde outras obras eram interpretadas para muito além do seu significado original, o que é válido e produtivo.

O que não é verdade é afirmar que a opinião do criador da obra seja mais verdadeira do que as outras opiniões. Demonstrarei o por que.

Em primeiro lugar temos um grave problema com a ausência de uma referência segura, o que firma a existência de um universo hiper-real. Neste caso não temos como estabelecer um elo real entre as letras e canções, que são subjetivas, e a opinião posterior do compositor, visto que elas se dão em momentos diferentes e estão condicionadas a um provável jogo de interesses, seja por motivos estratégicos de marketing, seja pela diferença entre estados de espíritos entre os dois momentos.

O compositor, ao que sabemos, pode simular uma opinião falsa a respeito de seu próprio sentimento. Se o que nos resta são somente palavras, bem sabemos que não podemos simplesmente confiar nelas. Isto gera a possibilidade de criarmos múltiplos significados num universo de hiper-realidade.

Outras vezes, nem o próprio autor compreende o que fez. Então o seu entendimento sobre sua própria obra surge apenas como uma hipótese. Por mais absurdo que pareça - sendo que no modo de pensar existencialista a própria vida consiste em um grande absurdo - sabemos que muitas vezes pensamos em coisas desconexas e sem um significado primário, sendo que nós mesmos ficamos a pensar no quê estamos querendo dizer.

Clarice Lispector, nossa diva existencialista, mencionou numa entrevista que pode ser vista neste blog, que um dos seus romances lhe causava estranheza até então, pois por mais que ela tentasse, ela não o compreendia. E o que dizer das obras de Franz Kafka? Se formos pegar seu maior clássico ("A Metamorfose") e fizermos uma leitura direta não poderemos sequer entender por que este livro é visto como um dos maiores de todos os tempos. Para isto será preciso analisá-lo sob uma determinada perspectiva.

Não há uma verdade segura a qual podemos nos agarrar, então o exercício de trilhar seu próprio caminho na condução do significado é válido, pois isto poderá trazer uma nova luz sobre problemas que continuam sem solução.

Uma outra obra cujo estudo foi iniciado por mim foi o filme Donnie Darko, de Richard Kelly. Uma vez o próprio criador foi esclarecer o que ele pretendia dizer em certas cenas e houve uma rejeição por grande parte da comunidade, que disse na época que a opinião de Richard Kelly é somente mais uma que vem se juntar a centenas de outras já existentes.

Temos ainda a trilogia Matrix, cuja ideias principais foram inspiradas pelo filósofo francês Jean Baudrillard, que disse numa entrevista que os idealizadores "não entenderam nada do que eu (Baudrillard) disse". Mas como o filósofo pode ter tanta segurança em sua afirmação. Talvez os realizadores de Matrix tenham entendido mais do que ele próprio ao escrever os seus livros.

O ser humano é tão complexo que muitas vezes ele não se resolve por si mesmo. Temos aí as ciências humanas que há centenas de anos tenta desvendar o homem. Mesmo o individuo muitas vezes busca o auxílio de alguma coisa que possa lhe dizer quem ele é ou o que ele está fazendo.

Isto abre margem para infinitas interpretações, cada qual a sua maneira, sendo que daí não surge uma verdade ou mentira, mas tão somente uma nova possibilidade. O exercício de validar ou invalidar uma interpretação não poderá lhe levar a lugar algum, pois a partir do momento que alguém pensa em algo diferente foi por que objeto analisado permitiu a possibilidade de um novo olhar.

Pode ser que a opinião de seu criador seja a única verdadeira, mas como não temos como garantir, ela se torna apenas mais uma. Para segui-la precisaremos utilizar o recurso da fé, porém pela lógica não há o que fazer e isto nada mais é do que uma característica do universo hiper-real.

Na base da filosofia que estuda os fenômenos - a fenomenologia - encontramos a hipótese onde a coisa só passa a existir a partir do momento que alguém a percebe. Neste caso como o objeto só passa a existir a partir da percepção de um sujeito, quando este objeto pode ser pensado por múltiplos sujeitos o que acontece? Passa a existir um objeto com significado diferente para cada um dos sujeitos que o percebeu!

Um exemplo típico para ilustrar melhor o que quero dizer: Tomemos uma celebridade feminina. Para alguns ela é uma linda mulher, para outros ela surge como insuportável, para sua família, porém, se trata daquela pequenina que cresceu com todos eles, para ela mesma ela se vê como uma pessoa normal. Temos aí diversos significados para o mesmo objeto (a celebridade).

Interpretar é ampliar as possibilidades, porém ciente de que a verdade já ficou oculta há muito tempo no universo hiper-real.

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