quarta-feira, 11 de junho de 2008

A Hora da Estrela: Lispector Existencialista

Eu não poderia deixar de comentar a respeito da principal obra de Clarice Lispector, que rompeu com a segunda fase do modernismo brasileiro, dominada pela regionalização na literatura - da problematização do homem sertanejo - para escrever romances com conteúdo categoricamente existencialista. Frequentemente a obra de Lispector é associada com a de Kafka, sendo dito que a autora é a mais kafkaniana de toda a literatura latino-americana. Justamente por kafkaniano ter se tornado um sinônimo para absurdo e incompreensível, a leitura de Lispector se torna obrigação para aqueles que pretendem se adentrar no extenso universo da cultura existencialista.

A história de "A Hora da Estrela" é simples e pode ser resumida em pouquíssimas linhas - se você não quer saber o que acontece, recomendo que não leia este post, entretanto devo frisar que este não é um suspense. Não há mistérios. Mesmo conhecendo os fatos, a experiência de leitura é única: Macabéa é uma jovem alagoana que vai para o Rio de Janeiro para "tentar" a vida. Pessoa medíocre, feia e desinteressante, o universo de Macabéa é composto pelo seu trabalho de datilógrafa, por seu "amigo" Olímpico de Jesus - inicialmente uma espécie de namorado nordestino, que a abandona porque, como ele mesmo diz, Macabéa é uma espécie de "comida sem sal" - e por Glória, colega de trabalho de acaba por namorar Olímpico. Por orientação de Glória, que tem piedade da menina ao perceber a sua tristeza (proveniente de um recente diagnóstico de tuberculose), vai visitar uma cartomante que lhe diz: logo que você sair daqui, irá conhecer um estrangeiro e sua vida irá mudar para melhor. Tão logo Macabéa saiu do estabelecimento, foi atropelada por um Mercedez Benz e acaba falecendo sobre os olhares de quem passava na rua naquele instante.

Portanto, o que faz de "A Hora da Estrela" um grande romance? Em grande parte, devido a forma como a história é contada. Clarice Lispector encarna a figura de Rodrigo, o escritor da história de Macabéa. A grande sacada é a relação do narrador com sua anti-heroina e com os acontecimentos do mundo interior (o universo de Macabéa) e do mundo exterior (o seu próprio universo). Há um certo ódio e uma certa impaciência por parte de Rodrigo no desenvolvimento da história que é canalizada na construção da protagonista. De certo, ele é o carrasco responsável pela ingenuidade e pelo absurdo que é a vida da pobre nordestina. Por que o narrador faz faz isto? Este é um dos mistérios que poderíamos discutir. Há quem diga que Rodrigo está num espaço oposto a classe-média e oposto a classe-baixa de Macabéa. Devido a este impossibilidade de alcançar este mundo, escreve esta história como uma forma de vingança. Porém este não é o nosso foco de discussão. Iremos nos ater apenas ao enredo da personagem.

Macabéa é a tragédia miserável personificada. Todas as qualidades negativas estão centralizadas dentro do seu ser: tola, raquítica, feia, extremamente ingênua, sem sonhos, sem desejos, sem questionamentos, sem objetivos e sem expectativas. Para ela as coisas simplesmente são o que são. A vida é isto mesmo, não precisa de justificativas, basta que os dias passem. Já que ela é este ser insignificante, restar aceitar esta condição. Não vê, portanto, justificativas em mudar aquilo que é por natureza. Macabéa se enxerga como alguém que foi jogada no mundo. Isto deveria bastar, porém parece que o universo conspira contra si. As pessoas não suportam Macabéia. Não conseguem aceitar a protagonisa da forma como ela é.

Está sozinha no mundo. A questão-chave não é a respeito do não entendimento acerca das coisas, o fato está em ela não questionar a respeito de nada. Por exemplo, seu "namorado" termina com ela, e não há, ao menos, uma reação: ela simplesmente aceita como se nada tivesse mudado para si. Ela sempre está a obedecer ordens, suas palavras são restritas a "sim", "está bem" e seus pensamentos são vagos e resumidos. O negócio é tão grave que em determinada parte da história ela passa mal e acredita que apenas por visitar o médico sua doença seria curada, tamanha é a sua ingenuidade.

Ao observar a tristeza de sua colega, Glória sugere a Macabéa que vá a cartomante para ela lhe traçar o destino. Macabéa, uma pessoa que não sabe negar, acata ao conselho e faz uma visita a madame que, através da retórica, descobre o quão medíocre é a vida da protagonista. Não obstante, ela irá prever que a vida de nossa anti-heroína irá mudar assim que ela botar os pés para fora dali: ela conheceria um estrangeiro que iria lhe fazer feliz.

Ironicamente as coisas acontecem como diz a cartomante: assim que ela sai do recinto, é atropelada por um Mercedez Benz, dirigido por um homem loiro, que imediatamente foge do local do acidente. Aquele é o seu momento maior, a única vez em que as pessoas lhe prestam atenção. Não podia dizer que morreria sem conhecer a felicidade, pois era esta a hora da estrela, onde ela brilhava irradiante como a atriz principal de uma tragédia real: era ali, sangrando no asfalto, rodeada por uma série de curiosos, que ela foi percebida em uma vida onde nunca fora notada. O que resta é somente a escuridão. Marabéa está morta.

Tudo não passa de uma grande irônia. Mais uma vez, as pessoas existem apenas para morrer, e tudo se torna insignificante. A sua história é ignorada pelas rodas da fortuna. O que determina o seu caminho é apenas a sorte que você pode, ou não, ter em sua vida.


A Hora da Estrela
Clarice Lispector
Editora Rocco
1998. 87 páginas

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