Héraclito: Já Não Somos Mais Os Mesmos

Parece que o título deste post diz respeito aos dias de hoje, não é mesmo? Porém este é o pensamento de Heráclito de Éfeso (500 a.C.), região da Jônia, que surge como uma figura pessimista, obscura, distante, irônica e melancólica. Em seu pensamento podemos notar uma crítica contra a superstição e contra as práticas religiosas populares para a sua época. Além disto era um crítico ferrenho do sentimento aristocrático e criticava abertamente dois dos maiores poetas gregos: Homero e Hesíodo. Também ironizava a filosofia de Pitágoras, que ao seu ver preocupava-se demais com os detalhes e metodologias eruditas, sem ao menos alcançar profundidade em seus estudos.

Para Heráclito a verdade deve ser desvendada interpretando os sinais enviados pelo Lógos (λόγος em grego - pensamento, palavra e razão), por isto mesmo era visto como um ser enigmático.

Heráclito dizia que o mundo estava em constante mudança e que a inércia era apenas uma ilusão. O célebre fragmento que diz "Não podemos banhar-nos duas vezes no meio rio, porque o rio não é mais o mesmo" (fr.91) serve como metáfora para ilustrar seu pensamento ao afirmar que tudo flui e nada permanece. Nós mesmos já não somos mais os mesmos, como interpretaram alguns ao analisar o raciocínio de Heráclito. Veja que Friedrich Nietzche irá nesta linha ao romper com o racionalismo ao dizer "ontem eu era, diferente do que sou hoje, que é diferente do que serei amanhã". Também podemos aproximar este pensamento com o conceito contemporâneo de hiper-realidade, visto que para Heráclito, como o real está em constante mudança é impossível lhe conhecer, pois a realidade já não é mais a mesma do que aquela do segundo anterior.

Heráclito por Johannes Moreelse

Contra a filosofia tradicional de seu tempo, também afirmava que a luta dos contrários era justiça e harmonia, pois a mesma nasce da tensão entre dois opostos. Ou seja, o mundo é devir: onde surge coisas ruins, surgirá coisas boas e onde há coisas boas, surgirá coisas ruins.

Também dizia que cada contrário nasce de seu contrário e faz nascer o seu próprio contrário, o que cria um vínculo constante entre todos os contrários. Sendo assim, o frio traz consigo o calor, que traz dentro de si o frio. Com esta afirmação, Heráclito irá concluir que o um é multiplo e o multiplo é um, pois todas as coisas contém o seu contrário. Neste caso, os opostos se atraem, se integram e não se corrompem, de tal modo que temos aqui uma espécie de movimento dialético, embora o termo apareça posteriormente, pela primeira vez, na filosofia de Platão.

Também tomava o que chamava de fogo (pyr) primordial como physis, pois considerava a mesma como origem viva e eterna de todas as coisas. O fogo primordial era uma espécie de força em constante movimento que faz de si mesma todas as coisas e todas as coisas remetem a si. Diz que para cada medida que se apaga outra se ascende num fluxo infinito. Considera como fogo ardente os seguintes: sol, luz, vida, calor, saúde, beleza e conhecimento. Como o fogo apagado temos: noite, trevas, morte, frio, doença, feiura e ignorância.

Heráclito dizia que a sabedoria plena pertencia a divindade (Lógos) e que ao homem só resta proculá-la e amá-la.

Para muitos, Heráclito de Éfeso é considerado como o mais importante filósofo pré-socrático, seja por sua figura misteriosa ou pelo seu pensamento sombrio, ele era conhecido como "o Obscuro" e "o Fazedor de Enigmas". De sua obra, só restam alguns fragmentos de difícil interpretação.