quinta-feira, 10 de julho de 2008

Filosofia: A Gênese do Princípio

Se questionarmos a qualquer ser que estudou um mínimo de filosofia onde ela se inicia de pronto obteremos a resposta: na Antiga Grécia. Se perguntarmos com quem ela se inicia, não será difícil que alguém responda que foi com Tales de Mileto. Porém, certamente não são todos que irão se aventurar se lançarmos a seguinte provocação: Mas como é possível que a filosofia tenha uma data, um local e alguém que a inicie? E antes disto, será que toda a humanidade era composta por um bando de imbecis? Será que não havia pensamento que questionasse a respeito das coisas? Como é possível saber que antes de Tales não houve um anterior que pudesse ser chamado de pai da filosofia?

Tales de Mileto (Fonte: Wikipédia)

Afinal, porque a filosofia se inicia na Antiga Grécia? A filosofia oriental e hindú não são ainda mais antigas? Pois são justamente estas questões que meu artigo pretende elucidar de forma breve e introdutória.
Em primeiro lugar, é preciso distinguir os diversos tipos de filosofia presentes em nosso vocabulário. Filosofia muitas vezes é apresentada como uma diretriz de ética e moral, como quando dizem "esta é a minha filosofia de vida" ou "a filosofia desta empresa é assim", enfim, não é desta filosofia que estamos falando. Outras vezes, a filosofia é vista como uma diretriz espiritual que dá sentido a vida e que pode ser alcançada mediante o aprendizado, como a que ocorre na filosofia oriental e hindú. Também não é desta filosofia que estamos falando.

O que estamos falando é da filosofia especulativa e questionadora, que não visa diretamente uma resposta, mas sim derrubar tudo o que existe, colocar dúvida em todas as verdades, substituir todos os pontos de exclamação por pontos de interrogação, destruir toda a farsa por trás de um discurso inconsistente, especular sobre como é possível conhecermos algo, desmontar e remontar toda a realidade de modo que diferentes resultados possam levar a algum lugar, ainda que nunca se chegue a lugar algum.

Esta filosofia é aquela que joga um missíl num determinado local e deixa o buraco aberto para que alguém venha construir alguma coisa que seja mais sólida que a construção anterior - daí surgiram campos como a psicologia, sociologia, biologia, física, astrologia, química e antropologia, entre outros. Tão logo a filosofia fica sabendo que construiram algo novo, irá bombardear novamente o local para testar a sua estrutura. Cedo ou tarde não há quem resista aos novos ataques.

Apresentada esta distinção, podemos continuar. Sim, a filosofia surgiu com Tales de Mileto, na Jônia - colônia da antiga Grécia - no século VI a.C. e quem diz isto é ninguém mais ninguém menos do que Aristóteles, possivelmente a maior autoridade em produção de filosofia até os dias de hoje. Mas como pode alguém afirmar isto? Vamos aos fatos.

Até antes de Tales havia uma tradição de explicar todas as coisas através do pensamento mítico. Ou seja, naquele tempo também haviam questões a respeito da origem do mundo, porque estamos aqui, porque as coisas acontecem de uma determinada maneira e sobre como age as forças da natureza, porém todas as questões eram respondidas através de ações de deuses.

Esta tradição, como todo o conhecimento adquirido naquele tempo, era transmitido somente através das vias orais e quanto menores as sociedades, mais o mito ficava consistente em determinado local, pois a tradição era repassada ao longo das gerações e o mito ficava cada vez mais forte num pequeno amontoado de gente. Ou seja, não havia espaço para dúvidas, visto que as explicações eram satisfatórias. Portanto, cada povoado tinha a sua maneira de explicar as coisas - assim foi com os assírios, babilônios, chineses, indianos, egípcios, persas e hebreus. Algumas destas explicações míticas chegaram até nós através de epopéias poéticas como "A Ilíada" e "A Odisséia" de Homero, e "Teogonia" de Hesíodo, porém estes registros já remontavam à lendas de muitos anos antes da existência destes dois poetas. Homero, por exemplo, data aproximadamente do século IX a.C., sendo que a batalha de Tróia citada na Ilíada se passa no século XIV a.C.

Homero, Museu da Grã-Bretanha (Fonte: Wikipédia)

Mas como Tales se livrou do pensamento mítico, de tal forma que precisou encontrar outras explicações para responder as suas dúvidas? O processo não foi rápido, porém a própria sociedade grega, ao longo do tempo, rompe com a tradição mítica a partir de acontecimentos importantes:

- queda da civilização micênica-cretense, por volta do século XII a.C., que mantinha uma espécie de monarquia divina, onde os sacerdotes é que mandavam na Grécia e eram substituídos apenas por seus descendentes;
- invasão na Grécia pelas tribos dóricas vindas da Ásia Central entre 900 e 750 a.C.;
- inicio das cidades-Estados, onde o cidadão participava ativamente das decisões políticas;
- nova ordem econômica baseada em atividades mercantis e comerciais;

A evolução natural da sociedade grega faz com que as pessoas fiquem mais objetivas e não se satisfaçam mais com as explicações míticas. Surge a necessidade de uma nova forma de explicar as coisas, visto que o povo se distancia de vez do sobrenatural e do místico.

Mas ainda assim, porque Tales de Mileto, e não outro, visto que a Antiga Grécia era tão grande? Porque Mileto ficava no mediterrâneo oriental, no mar Jônico, e era estrategicamente um porto comercial excelente para o embarque e desembarque de mercadorias, além de ponto-de-encontro para caravanas provenientes do Oriente. Ou seja, nesta cidade coexistiam culturas e pessoas diferentes, que se relacionavam muito bem devido aos interesses econômicos. Ou seja, provavelmente nem falavam em crenças, pois haveria discórdia. Sendo assim, houve a necessidade de criar uma explicação voltada para a própria natureza de forma que não houvessem dúvidas e que todos pudessem concordar.

Assim nascia a filosofia através de Tales de Mileto, que ao observar que tudo era úmido supôs que todas as coisas eram provenientes da água, pensamento que rompe de vez com o mito e traz uma solução dentro do próprio mundo natural. Além disto, Tales incentivava que seus conhecidos formulassem suas próprias teorias a respeito das coisas.

Como tudo o que acaba de nascer, a filosofia - naqueles tempos - era somente uma criança e serviu mais como movimento para romper com o pensamento anterior e para incentivar a buscar a explicação na própria natureza. Finalmente abriram a porta que possibilita o conhecimento. É como se Tales tivesse dado a largada para uma corrida em busca de algo que provavelmente jamais alcançaremos, porém antes da largada estávamos totalmente inertes sem evoluir. Este método de explicação através da observação e da experiência é o primeiro indício que temos de ciência.

Logo a filosofia irá amadurecer e se transformar naquilo como a conhecemos hoje. Quem irá conduzi-la através da puberdade são uns carinhas conhecidos como Sócrates, Platão e Aristóteles. Mas esta história fica para outro dia.

Para se aprofundar mais em como tudo começou, sugiro um livro de um importante historiador da filosofia que morreu recentemente. Sua escrita é erudita e sua leitura maçante e dolorosa, porém riquíssima em detalhes que até então ninguém havia sintetizado de forma tão concisa e eficiente. Se trata do francês Jean-Pierre Vernant, o livro se chama "As Origens do Pensamento Grego", publicado pela editora Difel e que tem pouco mais de 140 páginas.

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