sábado, 5 de julho de 2008

A Irreferência Divina das Imagens

Afinal de contas, o que é simular? Segundo paravras de Baudrillard "Simular é fingir ter o que não se tem". No contexto de sua filosofia, não é tão simples definir o termo "simular", tanto é que Baudrillard vai se valer de exemplos para elucidar o que ele quis dizer com isto.

Pois "simular" não é simplesmente "fingir" ter o que não se tem, pois você pode fingir qualquer coisa, como por exemplo, fingir que está doente e faltar ao trabalho. No caso da simulação, você não finge: você simplesmente passa a sentir os sintomas de uma doença real, ou seja, temos aí a doença simulada.

O grande problema na simulação é como saber o que é verdadeiro e o que é falso? Visto que os simuladores podem produzir sintomas "verdadeiros", como a medicina - que só trata de doenças "reais" - poderá distinguir se aquilo que o seu paciente diz sentir é real ou imaginário? Enfim, ela não sabe! Neste contexto, a medicina perde totalmente o seu sentido.

É baseado na afirmação acima que a psicossomática irá investigar o que passa com estas pessoas. Recentemente, numa palestra, eu ouvi um médico afirmar que mais de 90% das doenças têm origem psicossomática, ou seja, são simuladas pela mente de seu criador (simulador).

Outro exemplo citado por Baudrillard é do alistamento no exército. Teóricamente os simuladores deveriam ser punidos, mas como saber se um reservista, para escapar de suas obrigações militares, é homossexual ou apenas simula ser homossexual? Afinal, ele "tem" as mesmas características de um homossexual "verdadeiro". Pela impossibilidade de saber, ela acaba dispensado.

Na religião, um bom exemplo de simulacro de divindade são os ícones, que representam simbolicamente deuses e outras crenças. O que estes ícones podem representar para a religião monoteísta? Na própria bíblia, há um trecho que Deus proíbe as imagens nos templos sagrados, isto porque os ícones sustentam o seu próprio poder de vislumbre, substituindo a possibilidade de se conhecer um Deus puro.

Ou seja, estes ícones tem a propriedade de afirmar que Deus nunca existiu, pois seu poder de fascínio é tão grande que o que existe é o ícone e a simulação de sua própria divindade. Neste caso, o ícone prova que Deus é um simulacro de si mesmo. A proibição da religião cristã de não manter estes ícones em templos é justamente por saber que estes não apenas fingem ou disfarçam religiosidade, mas são simuladores perfeitos de divindade, e por isto mesmo são objetos de adoração!

Perceba que quem deu força e poder a estes ícones foram as pessoas que sempre foram contra ao seu uso, pois enquanto eles eram combatidos e mal vistos ele foi adquirindo um potencial de simulador. Pois qual é era a força de um ícone enquanto ninguém citava nada a respeito dele? Pois as pessoas que se contetavam com o ícone estavam simplesmente satisfeitas em se encontrar com o seu deus num pequeno objeto e não estavam fazendo nada demais, ainda que estes deus já estivessem mortos e a transcedência já não servia para nada. Ou seja, para que cultuar estes tipos de deuses, representados por ícones?

Vemos que as imagens têm a propriedade de aniquilar o real e gerar o seu próprio real. Para a religião monoteísta, os signos podem nos remeter a um sentido - o que representa a troca de um signo por um significado - porém o próprio Deus pode ser simulado, visto que para conhece-lo, devemos reduzi-lo aos próprios signos que o provam. Wittgenstein já havia levantado esta questão antes, ao dizer que jamais deveríamos falar das coisas que não conhecemos, pois teríamos que reduzi-las à meros objetos e palavras, e que esta combinação de palavras jamais poderia provar a existência do que não conhecemos, visto que as coisas que estão no absoluto não podem ser relativadas. Assim sendo, tudo isto faz parte de um grande simulacro, pois jamais poderemos saber o que é real. O que ocorre é a substituição de um simulacro por outro simulacro num processo infinito que faz com que percamos todo o referêncial.

Na simulação, o papel do signo não é valorizar ou dar um significado, mas de reverter e aniquilar toda a referência. Toda a representação é um simulacro.

Para finalizar, Baudrillard irá apresentar as sucessivas fases da imagem:

Representar um segredo, uma ideologia uma teologia da verdade:

1) Reflexo de uma realidade profunda. Ou seja, uma boa aparência. Do domínio do sacramento.
2) Deformação de uma realidade profunda. Nesta caso temos uma má aparência. Do domínio do malefício.

Inicia a fase dos simulacros e simulações:

3) Disfarce da ausência de uma realidade profunda. Finge ser uma aparência. Do domínio do sortilégio.
4) Não tem relação com qualquer realidade. É o seu próprio simulacro puro. Do domínio da simulação.

Quando chega no estágio final, temos a passagem de signos que dissimulam alguma coisa para signos que dissimulam que não há nada. E aí surgirá uma série de problemas visto que Deus já não está lá para reconhecer os seus, e aí quem dá sentido para as coisas é a nostalgia. Daí temos a sobrevalorização dos mitos de origem e da verdade, que inicia a fabricação desenfreada de realidades e de referenciais. Isto desencadeia a fase máxima da simulação, que é o hiper-real, ou seja, diversas realidades coexistem como uma macro estratégia de dissuação do real.

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