quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Morte, Por Onde Andarás?

Desde o surgimento da máquina - com seus diversos modelos geradores de padrões e hiper-realidades - observamos um fenômeno grave nesta sociedade composta por humandróides: esquecemos de morrer.

Está tudo tão igual e tão acabado que a vida transcorre sem nenhuma novidade e sem grandes surpresas. Ao término de nossa vida deixamos de morrer para simplesmente desaparecermos - como uma espécie de robô que não tem mais utilidade e que é substituido por uma nova versão.

Somos como engrenagens da impenetrável máquina, afinal ela não existe sem os humandróides, ou seja, sem homens que sejam submissos a sua vontade num processo de extremo condicionamento. Inclusive, a máquina trabalha para criar apetrechos que seduzam aqueles que ainda não se converteram para que em breve se tornem humandróides como todos os outros (existe até mesmo um levante que lhe pressiona para que você viva uma vida como a deles, dentro da "normalidade" - para isto vale até mesmo internar estas pessoas nos manicômios, tratá-los com psicoterapia e remédios que freiem os pensamentos e atitudes).

Neste processo de homem como engrenagem de uma grande máquina, basta substituí-lo para que as coisas continuem da mesma maneira, numa reação fria e automática. Não há mais morte. O que temos é apenas o fim. É possível que um homem possa viver sem ao menos pensar em sua própria morte, o que eu vejo como absurdo. É preciso planejar a morte, não no sentido suicida, mas de quem você quer ser quando morrer. Do que você gostaria que as pessoas lembrassem de sua existência quando não estivesse mais aqui? Qual é o legado que você deixará para a humanidade? Enfim, como toda boa história, é preciso escrevermos o fim e deixarmos o nosso recado.

A morte é o ápice, o grande momento da vida. Afinal ela se inicia apenas para que um dia termine, o que é chamado pelos existencialistas como o grande absurdo de existir. Mas a vida é isto mesmo, algo sem significado, sem explicações, como um grande enigma, um grande mistério sem solução. Aí reside a grande magia e a intensidade por trás das mortas que faz com que a vida seja sensação.

Num mundo onde tudo é revelado, onde não há nada que não possa ser explicado, onde para tudo há uma solução, a morte passa despercebida, uma porque esquecemos de morrer e outra porque quando estivermos mortos não se lembrarão que um dia vivemos. Veja que não há glória na vida, pois há tantas metas que traçamos e cumprimos que não há mais surpresas. Quando uma meta não é atingida por força do inesperado, ficamos fulos, justamente porque não aceitamos que a própria vida não obedece critério algum e o mais coerente sería aproveitar o aleatório, tanto a adversidade quanto o bem.

Esta realidade é tão ilusória, devido a hiper-realidade que sobrescreveu todo o real, que a máquina, em sua estratégia perfeita, arremessou a morte para uma dimensão desconhecida, de tal modo que pela palavra morte consideramos algo que está para além do que aquilo que ela realmente é. Pois ao darmos significação a algo que não tem sentido (como consequência da própria vida) esquecemos de morrer.

Desta forma, cria-se algo semelhante ao pós-vida - uma farsa que representa a antítese da própria vida - onde temos a imagem da multiplicidade daquilo que estamos vivendo neste momento, que se repetiria em outras dimensões ou em outras vidas. Isto demonstra uma variação da morte no sentido hiper-real, de forma que a morte não signifique mais apenas o fim, mas uma passagem, o que não faz nenhum sentido neste contexto. Temos que reconhecer a morte como aquilo que ela realmente é, para que assim possamos viver a vida de forma justa e intensa.

Temos que resgatar a figura da morte e trazermos ela para perto de nós. No reconhecimento do fim poderemos, enfim, aceitar a vida exatamente como ela é, sem explicações e sem destruir o lado místico que ela possui, que tanto nos encanta e nos fascina.

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