O Dr. Glub II, peixe da mais alta patente, reconhecido em todos os oceanos - visto como autoridade mesmo nos cardumes menos conservadores - havia solicitado uma reunião de caráter emergencial com os principais líderes dos setes mares nas ruínas de Atlântida, a capital dos negócios marinhos ainda nos dias de hoje.
Todos haviam recebido e aceitado o convite. Naquele dia estavam presentes a Dona Olga, representante das algas, o ancião Tortugo, líder do clã das tartarugas, o seu Delfim, que falava pelos golfinhos, Lori, a belíssima sereia e o terrível Shrak, tubarão-mestre de combate de todas as criaturas do mar.
- Eu...Muita fome...Cadê...Peixe? - dizia Shrak, impacientemente.
- Cal’ma jo’vem vo'cê pre'cisa de ma’is pa'ciên’cia – dizia vagarosamente Tortugo – Foi ass’im que eu apre’endi a fi’car mais de 200 anos vi’vos até ho’je.
- Silêncio – interrompeu a voz estridente do Dr. Glub II – não há mais motivos para delongas! Vamos direto ao que interessa!
Lori já desconfiava. Entre as sereias havia o comentário de que os homens haviam interferido novamente na vida aquática, e desta vez havia sobrado para a família do Dr. Glub II.
- Todos sabem que os homens mataram mais de 30 de meus filhos devido à imundice que eles trazem ao nosso lar. Simplesmente despejam a sua sujeira como se ninguém fosse notar. Até agora ficamos quietos e não nos pronunciamos a respeito. Porém, na semana passada, meus 20 filhos mais velhos, mais a minha caçula, morreram asfixiados porque comeram um pedacinho deste treco...
Dr. Glub II cuspiu algo que boiava lentamente e que todos não conseguiam desviar o olhar.
- Vocês sabem o que é isto? Isto é plástico! A nova ameaça humana contra a soberania do oceano! É isto que fará com que cada um de vocês, de seus filhos e de seus netos sejam exterminados para sempre do fundo dos mares!
Enquanto disparava o seu discurso inflamado, Shrak, sem conseguir resistir, abocanhou a minúscula partícula deste plástico.
- Sua besta, você não entendeu o que eu disse? Isto pode nos matar! – berrou Dr. Glub II.
- Desculpe...Muita fome...Eu...Estou...
- Eu não sei quanto a vocês, mas para mim chega! Precisamos fazer alguma coisa!
- Mim...Ajudar...! Mim...Comer...Homens...!
- Vamos falar com os homenzinhos, pois eles são bonzinhos! Tratam tão bem os golfinhos e nós somos amiguinhos! - dizia o seu Delfim.
- Não! Com esta raça não tem diálogo! Precisamos resolver isto de outra maneira! – dizia o Dr. Glub II.
- Shimples! Vamos a falar com os árvoros! Basta, pois, que saia o plástico e entre o papér. Que vos acham? – dizia, pela primeira vez, Dona Olga.
- Eu...Gostar...Papel...! Saboroso...Muito...
- Ótima idéia! Todos de acordo? – disse o Dr. Glub II.
- Sim!
- Tortugo, você que pode andar tanto na terra como nas águas, poderia se encarregar de conversar com as árvores?
- Cl’aro q’ue s’im, co’mo nã’o?
Uma semana depois, todos os líderes se reuniram para ouvir o velho Tortugo.
- Pois bem, Tortugo, o que as árvores acharam?
- Primeir’amente eu lh’es expli’quei que era uma ques’tão de vida ou mor’te. Que todo o nosso des’tino estava deposi’tado no resultado daqu’ela reunião.
- Muito bem!
- Então ex’pliq’uei o quê os homens esta’vam faz’endo ultimamente. Ex’pliq’uei também o tal do plá’stico e as árv’ores ouvir’am com muita at’enção.
- Excelente! Vamos, prossiga um pouco mais rápido!
- Ca’lma, pois sou uma tar’tar’uga e a paciên’cia é uma vir’tude. Enfim, ap’ós terminar o rel’ato todas elas com’eçaram a gar’ga’lhar e me disser’am, “tu achas, Tortugo, que iremos morrer por vós?” no qu’e eu dis’se “Co’mo nã’o? Afi’nal ser’ão apenas algumas dú’zias de cent’enas’, enq’uanto nós sere’mos extintos! Estamos fala’ndo do homem! Recor’da-se do tratado que assinamos? Que todas as espé’cies contri’buiriam na luta contra o ho’mem?” – e elas assim me res’ponderam: “Digníssimo Tortugo, tu deixas de ser ingênuo! O socialismo está fora de moda! Eis que vivenciamos o capitalismo: é cada um por si”.
- Não posso acreditar! O que iremos fazer? – Questionava preocupado Dr. Glub II.
- Comer...Todos...Homens...Eu...Vou...
- Lori, querida Lori, agora é com você. Depositamos todas as nossas esperanças em você.
- Mas você sabe que se eu sair daqui... – dizia Lori.
- Sim, todos sabem. Mas agora é a hora. Precisamos de seu sacrifício. Você sabia que isto podia acontecer.
Naquela final de semana, houve uma festa em Atlântida que servia como despedida da bela sereia. Todos vieram com oferendas e com lágrimas no oceano viram Lori pela ultima vez.
À noite Lori nadou até um barco. Ela gritou por socorro e um homem pulou na água para ajudá-la. Lori o agarrou a força e o beijou. Transformou-se em mulher para todo o sempre.
Passado dois anos, Lori aparecia na televisão numa entrevista onde questionavam como ela chegou a ser uma das pessoas mais influente na luta contra o plástico. Ela dizia que o mar era sua casa e que não aguentava mais ver tanta sujeira sendo despejada nos oceanos. Dizia que os animais marinhos clamavam por ajuda e que era necessário uma revolução moral e constante ativismo na luta contra a poluição desenfreada.
Tudo estava claro: infiltrar-se no mundo dos homens para salvar o seu tão sofrido povo. Lori estava apenas começando. Que Atlântida pudesse novamente mostrar a sua beleza para o mundo.
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