De onde vem o nosso desejo ardente pelos objetos de consumo? De onde vem aquela sede insaciável pelo novo, pela moda e pela vontade de ter aquilo que não precisamos, e ainda assim queremos mais e mais? Como podemos ser tão seduzidos por estes apetrechos quando, racionalmente, podemos claramente observar que eles realmente não importam, porém chegamos a perder o sono por querê-los?
Obviamente um leque de respostas pode ser analisado dentro da sociedade do hiperconsumo e da cultura de massa de nossos dias. A máquina traçou um grande plano onde o modo de produção de nossa sociedade é por deveras pior do que o modo escravista: os dois são baseados na exploração, a diferença é que um deles não finge ser aquilo que não é ao demonstrar claramente que não somos livres. Já no outro modo, regido pelas aparências, acreditamos falsamente que é possível chegar aonde quisermos, ainda que num mundo arquitetado tal idéia pareça ingênua.
Não obstante, outrora também já foi dito aqui que os escravos não precisavam se preocupar com o aluguel ou com o que iriam comer no dia seguinte. De resto, pouco muda. O mundo continua controlado por um pequeno e fechado grupo de pessoas que batem continência para a máquina. Através de suas engrenagens, todos os movimentos dos homens são decididos: como irão pensar, o que irão assistir, o que irão ler, o que irão repudiar e o que irão apoiar.
Claro está que audaz estratégia seria questionada no primeiro momento em que alguém desconfiasse, mas a máquina, que está no extra-mundano, sabe muito bem como controlar provável ímpeto e age por prevenção: acelera o tempo. A partir de então as coisas passam tão rápidas que não há tempo para pensar nestes nuances. A bem da verdade, não há nem mesmo tempo para pensar. Acrescenta-se ainda a tal cultura de massa, onde vemos um modismo globalizado onde todos querem fazer parte: estas são as canções que você deve ouvir, as roupas que você deve vestir e os programas que você deve assistir obrigatoriamente, caso contrário estará de fora-da-realidade e não conseguirá acompanhar o cotidiano.
Mas se o mundo anda tão acelerado que mal pensamos em nós mesmos, como aproveitar todas estas novas maravilhas? Pois é, você não consegue! Sendo assim você projeta tudo para o amanhã, que se acumula com os objetos de desejo do passado num ciclo sem fim. Como modo apelativo, a máquina recorre para o chamado hiperconsumo, que é quando você adquire por consecutivas vezes aquilo que você já tem (como o célebre exemplo do aparelho celular). Para conquistar um objeto de hiperconsumo precisamos estabelecer um planejamento que as vezes demora anos para se concretizar - como na compra de um veículo - sendo assim participamos como peões de um jogo complexo, sujo e injusto, pois todas estas etapas que deverão ser cumpridas à longo prazo irá te desviar das coisas que realmente importam. Sobre esta ótica, o consumo representa uma espécie de alívio terapêutico, como o remédio para uma doença invisível e não diagnosticada, pois a única forma de suportar uma vida de extrema exploração é justamente na colocação destes alvos que visam o bem-estar/domesticação do ser.
É aí que o homem pode suportar o modo de produção capitalista numa jornada mirabolante de trabalho, pois enquanto o teu corpo e o teu intelecto estão disponíveis para produzir recursos para a máquina, teus pensamentos estão repletos de desejos para o amanhã. Tanto é que, dos sete dias da semana, a "vida" reside apenas em dois: sábados e domingos (e ainda assim, não para todos), sendo que esta "vida" representa a degustação destes objetos de consumo para uma vida pacata e sem grandes emoções.
Cada vez mais as pessoas andam em círculos, sem sair de seus lugares, a caminhar para lugar algum. Cada vez mais todos pensam igual a todo mundo. Cada dia que passa o mundo acentua o seu declínio e apenas um vencedor pode ser declarado: a máquina. Enquanto ela não se suicida, estamos condenados a viver esta vida sem razão de ser, onde não somos nem dignos de um início e de um fim, onde a morte não é mais temida e, esquecendo de viver, simplesmente não morremos: simplesmente desaparecemos sem deixar nenhuma marca. Aquiles morreu, Sócrates morreu, Napoleão Bonaparte morreu e Galileu Galileu morreu, mas e quanto ao José Ciclano da Silva e o Fulano Junior II? Estes apenas desapareceram, pois visto que não programaram sua morte, nem se deram ao trabalho de produzir alguma coisa a qual pudessem sem lembrados. A vida passou tão rápido que ela simplesmente não passou, simplesmente esvaiu-se! E uma vida a qual não construímos nada seria vida? Se sim, para que serviria esta espécie de vida? Por fim, se a vida é orientada apenas para nos distrairmos com nossos brinquedos de desejo, como numa eterna busca por um alívio que nos livre de todo o sofrimento mundano, logo a vida é somente dor e a felicidade é apenas mais uma faceta das aparências. Neste caso, estar vivo ou morte seria apenas acidentes conseqüentes dos seres anteriores. Ainda assim, se a vida não tem sentido, será que poderíamos trabalhar significados de existência para que as coisas simplesmente não passem em vão? Vivenciar o dilema de aproveitar a vida, visto que ela é uma só, de modo a satisfazer a própria alma ao saber que está contribuindo para gerações vindouras aproveitem melhor o dia? São estas questões que simplesmente não podemos ignorar, ainda que por um minuto de sua vida. E quanto antes parar para pensarmos, mais rápido virá à solução.
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