Hoje, no supermercado, haviam três Marias.
A primeira Maria carregava, em seu carrinho de compras, um refrigerante Dolly, um pacote de papel higiênico cor-de-rosa, um pacote de arroz. Talvez eu tenha visto margarina, açucar, sal e óleo, mas não tenho certeza. Certeza mesmo é que naquele carrinho havia o básico do essêncial (se ainda podemos dizer). Esta primeira Maria tinha o semblante surrado, cansado e sofrido, vestia uma calça jeans desbotada, uma blusa azul e um par-de-chinelos estilo havaiana. Era magra, quase raquítica. O detalhe deste carrinho é que dentro havia uma criança de uns dois anos de idade segurando um brinquedo lacrado bem simples: uma espécie de espelho de um personagem de desenho animado. A criança olhava fascinada para a embalagem, mostrava para a mãe apontando uma das personagens. A mãe olhava com um olhar brilhante e triunfante de satisfação e orgulho, sorrindo levemente. Porém naquele gesto eu percebia algo que era tão grandioso que preenchia todo o universo ao meu redor. cada pessoa tem uma história para contar e eu fiquei imaginando como seria o enredo da vida desta mulher com esta pequenina criança. Aparentemente era uma vida difícil, talvez seu orçamento fosse tão apertado que aquele presente não caberia em seu bolso, porém estava claro que ali residia a esperança: ela estava dando esperança ao seu filho ao lhe presentear e também tinha esperança que um dia ele lhe retribuiria com uma vida longe das ruas, com boas notas na escola e com um bom emprego, de modo que um dia ele chegaria em casa e diria: "eu devo tudo a você, minha mãe!", pois é isto que esperamos de nossos filhos: que eles sejam pessoas melhores do que nós, que não cometam os mesmos erros e que passem ilesos pelos perigos da vida. Desta forma, todo sacrifício é válido. E este gesto é muito bonito, digno e louvável.
Havia ainda uma segunda Maria. Esta era uma senhora um pouco mais gorda, vestida também com uma calça jeans, tênis branco e camiseta branca. Também usava óculos e tinha um olhar seguro. Parecia bem habituada com a disposição do supermercado. O carrinho dela estava cheio, mas não com bobagens: vinte-e-quatro litros de leite, dois pacotes de arroz, bolachas de maizena, de água-e-sal e também algumas traquinas de chocolate. Tinha também coca-cola e guaraná. Na história que eu imaginei para esta mulher, ela devia ser uma mulher dedicada a casa, cujo marido trabalhava e, ao chegar em casa, pegava um cerveja na geladeira e dominava o sofá e a televisão, enquanto ela ia para a cozinha preparar o jantar. O detalhe é a segunda Maria estava com duas crianças, um menino e uma menina, com uns sete e cinco anos respectivamente, o menino segurava um boneco de algum desenho japonês, enquanto a menina segurava uma Barbie versão fada. Obviamente os dois estavam na nuvens, entretidos com as embalagens. Seguiam a mãe distraídos, enquanto ela estava concentrada em suas compras, como se fosse uma espécie de missão. Ali também residia a esperança: que os filhos jamais virassem as costas para si e que eles mantivessem para sempre a tradição da familia. Os filhos, quando comportados, esperavam também serem premiados com presentes, como ocorreu este ano. Estão todos felizes.
A terceira Maria era uma mulher jovem, aparentemente com menos de quarenta anos, bem vestida, maquiada e estava acompanhada de seu marido, também bem vestido. Os dois provavelmente estavam vindo direto do trabalho. Em seu carrinho havia coisas deliciosas: danones, comidas congeladas, apresuntados, queijos, muitos refrigerantes, panetones, salame, sorvete de pote e tantas outras coisas que não posso mais me recordar. Definitivamente estava diante de um casal financeiramente vitorioso, sendo que o espírito da vitória também incorporavam ambos os semblantes, de modo que os dois pareciam pessoas fortes e cativantes. Ao lado do carrinho, segurando a mão do homem, estava uma menina toda vestida de rosa, com o olhar bem tímido. No carrinho havia não uma, mas duas bonecas e um computador da Xuxa. De algum modo a esperança também estava ali: que a menina valorize os gestos dos pais e que estes mimos sirvam para que ela entenda que os pais sempre farão tudo o que puder, sendo que os presentes servem para que ela aprenda a amar e respeitar ainda mais os seus pais, de modo que ela nunca caminhe pelo mundo mal.
As três Marias, subitamente, desapareceram em meio a multidão e talvez eu jamais irei vê-las novamente. Porém fiquei com as três em minha cabeça, com o seus singelos gestos, com suas crianças e com toda a simbologia que me deixou em estado pensativo, que freou a adrenalina e que fez com que eu também tivesse esperança no bicho homem. O que eu não entendo é como pode as pessoas serem tão bem intencionadas - eu acredito nisto - e ainda assim o mundo está do avesso? Há uma série de respostas racionais para esta questão, mas hoje estou contaminado por tantos sentimentos que parece que não há nenhuma explicação lógica que possa me convencer. Ao refletir acerca destas mulheres, parece que a solução para o câncer da sociedade está tão próximo que chegamos a nos emocionar: basta que sejamos nós mesmos e que respeitemos o próximo. Enfim, me senti tão bem pois ali esta a micro-representação de um sistema perfeito. Passei as minhas compras e fui embora em estado contemplativo.
Tão logo parei no primeiro semáforo, uma avalanche de menores abordou os carros para limpar os vidros dianteiros dos veículos a troco de qualquer moeda. Hoje eu fiz diferente. Hoje eu dei todas as minhas moedas para estes meninos: "Obrigado, senhor! Deus abençoa!". Quem olha por estas crianças? O bem se constrói com o bem. O mal se constrói com o descaso e a indiferença. Talvez eu esteja sensível demais ou talvez temos que tratar da questão com mais calma. Todavia, o olhar que aquele menino me direcionou para agradecer também me deixou repleto de esperança: havia gratidão naqueles olhos e também esperança de que o mundo poderia ser bom e que talvez não seria necessário caminhar pelo lado negro da vida. Enfim, realmente precisamos rever nossos pontos de vistas e pensar o problema de modo mais global.
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