quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A Viagem do Elefante

Finalmente temos mais uma obra-prima nas prateleiras de nossas livrarias para nos encantarmos e, como era de esperar, o português José Saramago faz bonito uma vez mais. Desde já, o livro é mais um clássico da literatura mundial, leitura mais do que recomendada para os apreciadores de uma história bem contada - que é o maior trunfo deste estupendo escritor. Antes que alguém se espante, irei elucidar os motivos pelos quais considero "A Viagem do Elefante" um dos clássicos:

Primeiro que Saramago faz parte de um seleto grupo de escritores que por mais que queiram não conseguem escrever má literatura. Ao lado dele temos Dostoiévski e Tolstói, somente para ilustrar (afinal, alguém já leu alguma coisa ruim destes escritores?). Segundo, Saramago tem a habilidade de transformar uma história simples, daquelas que poderiam ser contadas em não mais do que quinze minutos, em uma história rica em detalhes, que lhe prende a atenção por força da irônia em uma linguagem própria, que é a marca registrada deste autor.

Este é o caso de "A Viagem do Elefante". A história é tão simples que chega a ser um desafio escrever um ficção a respeito. De um lado temos Dom João III, rei de Portugal no século XVI, que decide presentear o arquiduque austríaco Maximiliano II, genro do imperador Carlos V com um elefante de nome Salomão. Toda a história irá contar a tragetória de Salomão e de seu conarca indiano, Subhro, na viagem que ele faz de Portugal até a Aústria. A sinópse nem é tão interessante assim, mas os acontecimentos relatados nesta cruzada é que farão este livro brilhante.

Nunca Saramago, que é ateu confesso, foi tão irônico em relação à religião cristã - principalmente a católica. Em dada passagem, ele questiona a oração máxima: se nossas dívidas forem perdoadas, assim como perdoarmos quem nos deve, quem ganha o quê? Temos um problema de referência circular, tipo daquelas que não se chega a lugar algum. Em outro momento, um padre pede para que Salomão se ajoelhe em frente a uma igreja, desta forma todos pensariam que ali se realizaria um milagre. A crítica é direcionada tanto na ingenuidade do povo, que crê em coisas pífias como simbolos da divindade, como quanto a igreja católica, que fabrica milagres para manter o controle de seus fiéis.

Existe mais uma dezena de referências bem humoradas que não vale citar aqui para não comprometer a leitura deste espetáculo. Um outro ponto-de-destaque é quando o comandante de Portugal decide acelerar o passo de todo o seu batalhão apenas para chegar ao ponto de entrega do elefante primeiro que o exército austríaco. Por uma questão de vaidade ele não permite perder a "corrida". Além disto, sem motivo algum, eles estão dispostos a batalhar com os austríacos, caso eles não peçam o elefante com a educação devida. Ou seja, Saramago sugere que os homens são orientados à uma sede bélica e que grandes confrontos surgem com os motivos mais banais.

Ademais, a figura do elefante Salomão faz uma alegoria com a própria vida humana: quando ele estava em Portugal, estava esquecido por todos há mais de dois anos, quando chegou a Austría, foi recepcionado com louvor pela população - a vida é assim, esquecimento e triunfo. Como diriam no popular, as vezes você está por cima, as vezes você está por baixo. É como no conceito clássico da roda da fortuna.

Como bem sabemos, enquanto Saramago escrevia este livro ele teve algumas complicações com sua saúde e esteve a beira da morte. Somente após alguns meses internado é que ele retomou a história e sua experiência de quase morte também é ilustrada num episódio onde um vasto nevoeiro deixa uma das personagens desorientadas a tal ponto que ele pensa que irá morrer a qualquer momento. Então ele escuta Salomão bem distante e depois um pouco mais próximo. Depois surgem alguns vultos e uma figura enigmática que acaba por lhe salvar e abruptamente desaparece.

Não precisamos seguir adiante com a análise para lustrar ainda mais este romance (muito embora Saramago estampe que isto se trata de um conto), afinal a própria assinatura do autor é a certeza que estamos diante do belo artístico, que este livro não é qualquer livro e que ele brilha mais do que os outros na prateleira de uma livraria. Bravo, bravíssimo!

A Viagem do Elefante
José Saramago
Editora Companhia das Letras
1ª Edição - 2008 - 264 páginas.

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