quarta-feira, 27 de maio de 2009

Sobre a Família No Retrato em Preto-e-Branco

Quem acompanha os meus textos deve saber que sempre menciono um conceito que é coração de como a nossa sociedade caminha á rápidos passos em direção à uma distopia digna dos livros de ficção científica do século XX - a saber George Orwell, Anthony Burgess, Aldous Huxley, Philip K. Dick, Douglas Adams e Isaac Asimov.

Este conceito eu chamei de máquina por uma razão bem simples: é o mecanismo que faz as coisas girarem em pró de sua própria vontade e que controla o nosso estado oriundo ao condicionamento global. Em palavras mais genéricas, a máquina é a responsável por gerar padrões de comportamento, moral, ética e pensamento.

Nestes modelos gerados pela máquina encontramos aquilo que eu chamo de hiper-real (que nada mais é do que algo que está para além do real, de modo que vivemos em cima de cascas sem jamais conhecermos o que está por baixo - devido a perca de referêncial).

Num exemplo típico de hiper-realidade temos a família tradicional como parte das regras do jogo a qual participamos enquanto seres integrados a vida inautêntica. Pois é da família que falaremos neste artigo.

A família, em grande parte, é o primeiro sistema opressor a qual entramos em contato mesmo antes de nascer. Este sistema é fundamental para implantar em nossa raiz alguns anestésicos que nos impossibilitam de ingressar numa vida onde a não-aceitação seja uma virtude valorizada.

O terreno perigoso inicia-se assim que é anunciada a gestação da criança em relação ao nome que será dado. Aqui há uma primeira batalha: a familia se esgota para saber qual nome será dado ao bebê que ainda nem chegou ao seu presídio. Um misticismo enigmático ilusório são os ingredientes para que o nome mais adequado seja selecionado.

Assim, mesmo antes de nascer, somos dotados de um signo que não é nosso. Logo se estabelece um contrato virtual de propriedade - que se extende por toda a existência - firmado com mais vigor na escolha do nome, que nada mais é do que a primeira marca que a nossa família estampa em nossa alma. Assim que nascemos temos um contrato não mais virtual, porém físico - chamado de certidão de nascimento.

Neste documento temos o nome de nossos pais como proprietários e o nosso nome - que não escolhemos - como objeto adquirido. Metaforicamente podemos dizer que nosso nome é uma espécie de marca queimada na pele e que a certidão é o certificado de aquisição. Aliados, os dois signos irão legitimar o que venho dizendo. Ou seja, antes de nascer nossa liberdade já foi aniquilada.

A relação de egoísmo e egocentrismo na família pode ser evidenciada nos pronomes possessivos a qual nos referimos ao chamar os nossos entes: 'meu' pai, 'minha' mãe, 'meu' irmão, 'minha' tia, 'meu' filho, 'minha' prima, 'meu' avô. Somos donos virtuais de todos eles. Cada um protagonista de sua história, o resto são meros coadjuvantes.

Por esta relação que é criada desde cedo, cada membro da família se considera o mais importante e com a maior quantidade de razão e bom-senso, geralmente dotado com a única verdade a respeito dos demais. Como numa empresa, ele se considera uma espécie de chefe onde gerenciar os demais se torna algo mais importante do que gerenciar-se a si mesmo.

Por isto estamos tão preocupados com os problemas dos outros e nos fazemos de vítimas (afinal não temos tempo para pensar em nós mesmos de tão ocupados que estamos com os demais - ainda que cada um se julgue apto a cuidar de si mesmo).

Ainda na infância, temos uma representa ínfima do que nos espera fora dali: a figura autoritária do patrocinador financeiro (numa família tradicional, quase sempre é o pai), a educação para nos adequarmos ao padrão da família - que é um retrato em preto-e-branco do que o universo espera de uma boa família, o castigo que nos aguarda caso não estejamos de acordo com o planejado, a pressão por seguirmos aquilo que foi estipulado para nós como meta, a decepção caso não consigamos atingir com satisfação todos os objetivos.

Aos poucos nossa inocência (liberdade?) será assassinada e perderemos o referencial do quê poderíamos ter sido, pois o que resta naquele corpo são vestígios da família e do mundo exterior (que nada mais é do que uma família gigantesca num contexto macro - por isto chamada 'sociedade').

Ao crescermos seremos donos de nossa própria família. Após aceitar as barbáries cometidas conosco, já não nos importamos de apenas obedecer. Logo isto não dói mais. Então quando nos tornamos pais, acreditamos alienadamente que a nossa educação foi a melhor e que devemos dar a mesma dose para os nossos filhos. É a nossa sádica e inconsciente vingança. É a nossa vez de aproveitarmos para descontar o que fizeram conosco.

É a nossa chance de ajudarmos a máquina a fabricar cidadões iguais a nós, seres iguais a todo mundo.

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