quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Sobre Segurança, Policiais e Outros Demônios


As vezes me questiono o porquê a sociedade, de modo geral, fala da polícia com tanto desdém, ódio, amargura e temor. Ao refletir, infinitas possibilidades chegam ao meu pensamento em poucos segundos. Podemos escrever e destrinchar o assunto, porém ainda assim corremos o risco de não chegar à lugar algum. Talvez o que me leve à criar este post é um certa rebeldia aliada a um sentimento de indignação que me leva em direção ao tornado que clama por mudanças em nossa estrutura comportamental. Consequentemente, uma reforma sociológica - mesmo ideológica e/ou moral - faz-se necessária no universo da contramão, onde aquilo que é mal acaba por representar virtualmente o bem - e assim acreditamos.

Temos muitas coisas para explorar em relação ao tema proposto, porém vamos escolher um ponto de partida para entender este sentimento negativo: privação de nossos direitos. Dentre os diversos direitos - principalmente aqueles correlacionados com a ética - que adquirimos ao abrir os olhos pela primeira vez em solo terrestre está a segurança. Ao menos é o que encontramos no artigo III da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

"Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal."
http://www.onu-brasil.org.br/documentos_direitoshumanos.php

A obrigação de fazer prevalecer este direito é do Poder Público (entenda como Poder Legislativo, Executivo e Judiciário - em síntese, o Governo). Para isto pessoas são contratadas com a única finalidade de policiar a sociedade, de tal modo que garanta a ordem, a segurança e a integridade dos cidadãos de bem: temos aí a figura do soldado, do homem voraz capacitado para servir a sociedade, dos guerreiros de bem, defensores das pessoas e pregadores da justiça - temos aí o papel do policial.

Todos os atributos citados na sentença anterior referem-se ao bem, ao belo e ao bom. Veja que a figura ética do policial condiz exatamente com as necessidades de uma sociedade harmônica, onde os heróis são benquistos e louvados pelas pessoas comuns - visto que a ordem é mantida e a manutenção da posição serve, inclusive, para inspirar outras pessoas à fazer o bem.

Agora o que acontece quando colocamos esta ética do avesso? Basta reescrever a mesma frase ao contrário: referência de mal, feio e ruim, esta figura vai na contramão do que as pessoas esperam - os antiheróis são malquistos e desprezados pelas pessoas comuns - visto que a desordem impera e desmotiva outras pessoas à seguirem o mesmo caminho.

A ética é invertida justamente quando os interesses de nossos vigilantes existem apenas em função própria, sem que exista um real interesse em garantir a segurança da população. O que temos aí é uma avalanche de pessoas despreparadas e desanimadas que enxergam a carreira de policial apenas como uma profissão que lhe traga um sustento razoável aliada a uma realização de vaidade que não tem razão em ser. Um sustento razoável o policial comum não tem, então a única forma de equilibrar o alto risco assumido e garantir que a carreira financeiramente possa ser rentável é se corromper.

Deixar se corromper é fazer vista grossa relacionada a uma obrigação em troca de uma compensação. No caso de policiais, seria algo como deixar de aplicar as leis em troca de uma compensação financeira. Em nível mais macro, deixar de aplicar as leis equivale a deixar de garantir a segurança das pessoas, o que abre as portas para que os demônios mais malvados se infiltrem em nosso meio e possa cometer livremente as suas desgraças, pois quando a lei deixa de ser cumprida, mesmo temporariamente e num local específico, as pessoas estão descobertas, inseguras e pisam numa terra de ninguém.

Logo quem pactua com o mal, acaba tão mal quanto. Aqui surge a tão mencionada inversão de papéis e origem do desdém: enquanto esperamos que o mal faça o mal e tão somente o mal, esperamos o mesmo daqueles que representam o bem. Em síntese, a nossa confiança é traída. A traição fere diretamente a nossa dignidade, que é a única coisa que temos de caro em qualquer classe da sociedade. Logo vem o sentimento de repulsa e desprezo, pois enquanto os malignos estão firmes em suas profissões, aqueles que foram contratados para nos defender acabam por virar as costas para nós, que nos encontramos indefesos.

Enquanto os bandidos seguem um rígido - mesmo que cruel - código de ética, cuja fidelidade dentro da hierarquia é visível, os policiais pensam apenas em lucrar e viver - o que, de fato, não seria um erro caso não desrespeitasse o código ética que juraram antes de ingressar nesta carreira e que vai na contramão dos interesses sociais.

Mais: policiais muitas vezes valem de sua posição para transgredir a lei! Isto é extremamente revoltante, na medida que são agentes da justiça. Casos de transgressores fardados estão presentes no nosso cotidiano a cada esquina: em seus veículos particulares eles ultrapassam os limites do código de trânsito, usam de sua posição para fazer com que amigos e parentes infratores acabem por escapar das punições previstas em lei, entre outros "benefícios" proporcionados por seu gabarito.

Tantas coisas geram um descontentamento por parte das pessoas, que tem o seu direito à segurança negado devido a uma falta de estrutura e organização mais adequado que possa atender amplamente a sociedade. Porém os verdadeiros culpados, como bem sabemos, estão no topo da pirâmide: o Governo. Com tanta verba arrecadada pelos impostos, seria possível incrementar o salário dos policiais, uma vez que eles são tão baratos hoje que o preço da corrupção é baixo.

Um salário autossuficiente dificultaria a corrupção porque se tornaria onerosa para o corruptor, além do que ele teria que trabalhar a quebra de ética. Sabemos que policiais quebram o código por medo de morrerem e por problemas financeiros, porém caso estas duas questões fossem sanadas - com um melhor preparo, infraestrutura, equipamento e salário - acredito que as coisas poderiam ser bem diferentes.

Como cidadãos interessados na convivência pacífica e numa boa qualidade de vida, o nosso dever é justamente cobrar àqueles que elegemos para representar os nossos interesses. A começar pelos candidatos elegidos por cada um. Devemos pesquisar bastante a história de cada candidato para reconhecer seus reais interesses. Claro que não há um rótulo estampado na face que denuncia um farsante, mas uma vez que eles foram selecionados, é preciso cobrar o que foi prometido.

Precisamos, urgentemente, trazer a polícia para o lado da população. Precisamos estreitar o relacionamento entre ambos e criar um vínculo de amizade e carinho, valorizar aqueles que nos protegem ao mesmo tempo em que eles entendam as situações que nos expõem ao perigo. Talvez, quando este dia chegar, acordaremos num mundo mais bonito e seguro, onde poderemos viver sem nos preocupar em abaixar a cabeça todas as vezes que escutamos uma explosão.

2 comentários:

  1. Vc deve ter lido vigiar e punir, essas questões não são de hoje.
    E pra nos indignarmos precisamos ser dignos. Mas mts se indignam sem ser dignos. Se o policial recebe propina é pq tem quem dê. E normalmente, não precisamos imaginar um cenário cinematográfico à la Tropa de Elite, basta olhar para o nosso "vizinho" que molhou a mão do policial pra livrá-lo daquele bafômetro e por aí vai.
    E sabemos que não é só do policial que se molha a mão. Conhecendo o João do cartório seu processo também vai ser agilizado.
    Esperarmos que o policial seja bonzinho, amigo do bairro, herói etc, isso é sonho da moral perfeita. Nada a ver com ética.
    A ética está em cumprir com o seu dever independente de vestir a máscara do herói ou não.
    A sociedade nos ensina que corrupção não existe pq se ganha mal e sim pq se quer ganhar cada vez mais. Basta olhar para os políticos com seus salários e benefícios, o que não falta é um ótimo salário, no entanto...
    Obviamente os policiais além de precisarem ganhar mais, precisam ter melhores treinamentos, melhor seleção e bons materiais.
    Mas a verba não é questão primária da corrupção, é uma ótima, mas mera desculpa. Se fosse, todos os policiais estavam autorizados a serem corruptos e não existiria político tal. Mas não é assim.
    A sociedade delega o que é seu, faz um Pôncio Pilatos a espera dos heróis. Mas heróis só da Marvel.

    Comentei no seu post sobre Donnie Darko também.

    Abraço.

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  2. Olá V_Leal, tudo bem? Fico feliz em ler comentários como o seu, pois vejo que cada vez mais o blog consegue atingir o público que sempre almejei - embora ele seja restrito: o público das pessoas que pensam.

    Quanto ao seu comentário, lembro-lhe, como disse no início do post, que a questão é tão ampla que precisaria partir de um ponto, e esta foi a minha escolha. Não precisaria nem ao menos ter lido Vigiar e Punir (que é um livro recente, por sinal) para saber que o assunto é tão antigo que sua origem se perdeu ao longo da história.

    Um bom texto para refletir sobre os primórdios da injustiça e da desigualdade é "A Origem da Familia, da Propriedade Privada e do Estado" do Engels - para os interessados, clique aqui para fazer download do texto. Um outro para refletir sobre a corrupção e uma possível solução (embora na prática não tenha dado certo) é o "Contrato Social" de Rousseau. Sem precisar de textos, também basta revisar os diversos casos de corrupção durante o império romano.

    Talvez você conheça os dois textos. Neste caso, será mais fácil acompanhar a minha análise que é direcionada aos corruptíveis (neste caso escolho a polícia como tema) ao invés dos corruptores. Tentar transmitir a culpa de um para o outro seria uma tarefa tautológica insolúvel, uma espécie de questão tostines: quem começou o quê. É óbvio que para existir o corrupto tem que haver o corruptor, da mesma maneira que para haver o corruptor há de existir quem se corrompe!

    Por isto mesmo, você pode refletir pela linha que você quiser, ambas serão verdadeiras - mas uma não sobressairá perante a outra. Desejar uma proximidade do policial com a sociedade eu não vejo como um exercício de moral perfeita, ao contrário, acho possível na medida que o orgulho daquele que cumpre a função seja restaurado.

    Desassociar ética e moral se torna outro exercício complexo na medida que você não faz aquilo que você deve fazer (e vice-versa). Então trabalhar qualquer um destes conceitos isoladamente é sinônimo de fracasso. Se os ladrões tem um código de ética que seguem rigidamente é justamente por que se orgulham dele. A mesma coisa deve ser com o policial.

    Concordo que a remuneração do policial não é desculpa pelos motivos que você mesma citou, entretanto, um bom salário aliado à satisfação de exercer a função são armas cruciais para combater a corrupção. Isto por que acredito que não há satisfação se não há bons salários, ao tratar-se desta classe. Qualquer programa motivacional para um policial que não ganha bem está fadado a ruina. Se ele ganhar bem, estes programas poderão dar certo. Isto por que estamos condenados a viver num mundo onde o capital fala mais alto, o desejo de consumo é algo que queima dentro das almas, e de alguma forma ele necessita saciar este desejo.

    Pode ser que você tenha razão ao afirmar que heróis só existem em nosso imaginário, mas sempre houveram homens que tentaram lutar contra o sistema e foram desestimulados. Já que não temos coragem para tomar a frente de batalha precisamos, no mínimo, encorajá-los. Um exemplo em que acredito é o delegado Protógenes Queiroz, cujo trabalho vem sendo ofuscado pelos poderosos que comandam o nosso país, fazendo nos desacreditar na missão deste homem.

    Enfim, eu quero acreditar - ainda que isto represente um quê de ingenuidade e desejo utópico.

    * Quanto ao post do Donnie Darko, quando tiver um tempo irei comentar. Fico muito feliz por seus comentários no blog, pois são construtivos, inteligentes e instigantes. Eu não posso respondê-los sem refletir bastante neles! Obrigado e até breve!

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