quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Nina

Este filme brasileiro, do cineasta Hélio Dhalia, que posteriormente nos trouxe uma outra obra muito interessante (O Cheiro do Ralo), traz em sua história uma livre adaptação do mais famoso romance de Fiódor Dostoiévski - Crime e Castigo. Contextualizada com os dias atuais, num ambiente alternativo e underground paulista, Nina é a contraparte de Rodion Raskolnikov, uma jovem excêntrica e miserável que mal tem dinheiro para comer, muito menos para pagar o aluguel do quarto a qual vive. Com o atraso no pagamento, a velha mesquinha, proprietária do imóvel, a pressiona de todas as maneiras, chegando, inclusive, a racionar a comida de Nina, além de cobrar juros exorbitantes para cada dia que o pagamento deixa de ocorrer.

Nina, numa situação desesperadora, com fome, vivendo na miséria das ruas paulistas, utiliza-se de todos os recursos para adquirir algum dinheiro. Nas vezes em que consegue, a velha lhe tira tudo, sem demonstrar a menor piedade do estado precário da jovem - mesmo quando esta tenta lhe agradar. Com prazo final para efetuar o pagamento, Nina começa a declinar rumo a insanidade, sem saber o que fazer, sem poder sonhar com um futuro, com toda a pressão possível exercida em cima de si. Logo passa a idealizar, de forma inconsciente, o assassinato da proprietária de seu imóvel.

A velha decide, então, colocar o quarto de Nina para alugar e logo aparece um interessado, que faz pagamento adiantado. Nina observa toda a cena e entrar num estado eloquente, ainda pior do que se encontrava. Com os nervos a flor da pele, ela precisa agir. Da pior maneira possível, ela resolve o seu problema e assassina a velha mesquinha. Porém, o sentimento de culpa surge no mesmo momento, ainda mais quando o novo inquilino passa a bater na porta e não encontra a velha disponível para lhe receber.

Logo ela passa a delirar sobre um sentimento de constante perseguição. Acredita que todos desconfiam de si perante o crime. Logo Nina não conseguirá suportar sua própria existência mediante um sentimento de culpa incalculável. Ela sente a necessidade de pagar pelo ato cometido e sua consciência não lhe deixe em paz por um minuto sequer.

É dentro desta narrativa que encontramos os personagens sombrios de Nina. O movimento e a direção dá um tom extremamente desconfortável na película, o que ressalta a proposta do filme em demonstrar os sentimentos da protagonista. Tirando a personagem título, temos uma série de outros personagens marcantes e característicos, que reforçam ainda mais o teor da obra de Heitor Dhália.

Porém, ainda assim, Nina é um filme que transita em minhas sensações de forma negativa e positiva simultaneamente. Até agora não sei se gosto ou não do resultado final. Para melhor atestar a minha mensagem, fico feliz por um brasileiro, dentro do cenário nacional, trazer uma leitura cinematográfica para uma das melhores obras de literatura do mundo (sim, o terceiro mundo também lê Dostoiévski!), por outro lado a complexidade das personagens de Dostoiéski não se resolvem também quando transportados para a sétima arte.

A trama principal de Crime e Castigo, embora encurtada e adaptada, foi bem construida no roteiro de Nina. Porém quem já leu algo de Dostoévski sabe que o enredo principal é mero detalhe perto da grandiosidade de cada livro. O trunfo de Dostoiévski reside nas entrelinhas e nos conflitos psicológicos de cada personagem. Isto, obviamente, foi deixado de fora em Nina. Em Crime e Castigo temos personagens que são essências para que este se tornasse um dos mais respeitados livros da literatura e que foram totalmente abandonados nesta adaptação: como vislumbrar um releitura do livro sem equivalentes para Porfiry Petrovich e sua grande habilidade de dedução e persuação ou mesmo a irmã de Raskolnikóv? E o seu grande e fiel amigo Razumikhin, que desempenha papel tão importante? E o sacana Ludin? E pior, onde está Sônia - talvez a mais importante das personagens de apoio à Raskolnikóv?

Enfim, Nina faz bem aquilo que se propõe a fazer, porém a proposta não está a contento para os fãs de Dostoiéski. De alguma forma bebemos roteiro que não saceia a sede de literatura. Pela limitação do tempo em que uma história deve ser contada para os cinemas, entendemos o que Heitor Dhália fez com Nina (talvez seja por isto que ele não se atreveu a chamar o filme de Crime e Castigo, e nem mesmo diz que é uma adaptação, mas tão somente foi inspirado pela obra). Mesmo assim, por vezes penso que se é para ficar na retaguarda e não ser mais ousado (como Meirelles foi em Ensaio Sobre a Cegueira), melhor não filmar e deixar como está.

Um comentário:

  1. Já li o livro e gostei muito.
    Mesmo que não seja fiel ao livro, imagino que o filme seja interessante só por abordar um enredo "matador".
    E é brasileiro ainda hein... muito legal.
    Vou assistir com certeza.
    Valew pela dica.

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