quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
Gamer
Este injustiçado filme tem em sua espetacular trama diversos ingredientes que fornecem bons frutos para análises dentro do tema mais discutido por mim dentro deste blog: hiper-realismo. Antes de iniciarmos, porém, eu não consigo entender por que o público em geral não acolheu tão bem este filme como outros do gênero, afinal temos aqui, ao meu ver, mais um clássico de ficção-científica. Se este filme não segue uma linha tênue entre imaginário e real, como Matrix, Minority Report, Equilibrium e Vanilla Sky deve-se ao fato de uma grande homenagem à filmografia oitentista do gênero, tal como Blade Runner e O Vingador do Futuro. Trata-se de mais uma história num cenário distópico, porém aqui o pano de fundo se assemelha muito ao nosso - envolvido por uma série de dispositivos tecnológicos que nos acompanham a cada passo.
O desenvolver da história é simples, porém a sua plataforma é sensacional: estamos há apenas alguns anos no futuro e duas novas febres do momento praticamente tomam conta da humanidade: a rede social chamada Society (uma clara referência ao Second Life) e o jogo online multiplayer Slayers (uma referência à jogos como o Counter Strike). Embora há cerca de 50 anos isto já seria algo impensável, em nossa atual sociedade não temos nenhuma novidade até aí. Porém no filme é inserido um elemento assustador: um nerd chamado Ken Castle (interpretado pelo especialista em personagens excêntricos Michael C. Hall - vulgo Dexter e Six Feet Under) inventa uma espécie de nanochip que controla a mente das pessoas. Isto lhe deixa bilionário da noite para o dia, virando uma verdadeira celebridade em seu tempo. Com isto, pessoas reais são inseridas no tabuleiro e controladas mentalmente por seus jogadores (que podem até mesmo sentir o que seus "avatares" sentem no jogo).
Os jogadores controlam seres humanos de verdade dentro de uma comunidade "virtual/real", abandonando de vez a vida fora dali. No centro temos Logan Lerman, um jogador sensação de 17 anos que controla Kable (interpretado por Gerard Buttler), o personagem que está há mais tempo livre dentro do game Slayers. Mais algumas partidas vivos e Kable estará livre para voltar ao mundo "real", porém o Ken Castle, o nerd por trás de tudo isto, tem outros planos e não pretende facilitar para Kable.
Muita tecnologia online, contratos multimilionários, marketing e consumo desenfreado, além da migração da vida real para a vida virtual são os grandes atrativos para que eu considere Gamer um dos clássicos do cinema atual. Se alguns podem pensar que o filme foi feito para outros nerds, eu afirmo que o seu caracter distópico e niilista está para os olhos que observam mensagens diversas por entre as linhas principais.
Do ponto de vista analítico, podemos observar uma relação confusa e intíma entre o sujeito (aquele que conhece) e objeto (aquele que é conhecido). Se antes tinhámos o sujeito era caracterizado por matéria viva e o objeto por matéria morta, nesta realidade a coisa é um pouco diferente. Como disse Baudrillard uma vez, pela primeira vez temos o objeto modelando o comportamento do sujeito, visto as extremas relações de hiperconsumo como modo de satisfazer uma necessidade básica.
Se outrora necessidades como sede e fome são essenciais para satisfazer requisitos para o bom funcionamento do corpo, temos no consumo a necessidade de satisfazer um desejo proveniente da psiquê. Hoje estar alinhado as ultimas tecnologias, vide revolução de dispositivos móveis como o iPhone e a invasão de Google Androids, é estar alinhado com o meio social. A sociedade pede por isto. Com a internacionalização e globalização proporcionada pela internet, fazer parte de qualquer modismo ou adentrar-se em novas ferramentas online se torna pré-requisito para fazermos parte do meio.
O alerta do filme Gamer é demonstrar até onde iremos chegar para satisfazer esta necessidade que até então nem existia. Até onde a indústria do entretenimento pretende chegar para nos tirar de uma vida e nos inserir em uma outra. De fato, o que acontece é que saímos de um mundo injusto, amoral e cruel para sermos incluidos num mundo mágico, encantado, onde pude ser feito sem que ninguém se machuque (muito embora seja um universo fictício e surreal). Se observarmos que cada ser procura aquilo que é melhor para si, iremos até chegar num argumento que justifica a prática, porém é um argumento egoísta e mesquinho.
Visto que os homens não escolhem os seus locais de nascimento, a vida não se trata de liberdade, mas sim de escolhas limitadas que somos obrigados a fazer dependendo da direção a qual nos encontramos. Há famílias que adquirem mansões milionárias, outros que adquirem barracos em centenas de prestações. Porém o desejo dos ser é ilimitado e ambas as classes podem sonhar a mesma coisa. Onde reside a justiça aqui?
Enfim, precisamos buscar uma solução deste mundo ferido, porém real, no próprio mundo ferido. Se criarmos multi-universos virtuais, estaremos multiplicando o hiper-real em níveis onde jamais saberemos o que existe por trás do virtual. Em Gamer, temos os Humanz, que são hackers dispostos a mostrar para as pessoas condicionadas neste mundo de faz-de-conta que há vida por trás das telas. Pior, que há interesses comerciais em manter os seres ocupados com entretenimento, uma vez que os males do mundo não são descobertos.
É por estes e outros motivos que Gamer ingressa na lista dos meus favoritos. Excelente filme, excelente mensagem. Precisamos de mais obras que alertem as pessoas quanto este tipo de prática, que esta aí para quem quiser ver. Devemos avançar sim (sempre), porém rumo a um avanço tecnológico equilibrado e consciente. Precisamos nos manter no controle para não sermos controlados.
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Parabens pelo blog, a estrutura e estilo são muito bons!
ResponderExcluirvou visitar mais e te sigo aqui!
Juro que parei no "espetacular trama". Sério, sei que gosto é uma questão puramente pessoal, mas esse foi o pior filme que vi esse ano, fácil.
ResponderExcluirOlá Cristiano! Obrigado por seu comentário e por suas palavras! Fico muito feliz!
ResponderExcluirOlá Rafa, tudo jóia? Sei que o filme não agradou uma boa parte do público, mas já vi coisas bem piores este ano! Todavia, me agradou bastante e vem de encontro com o meu conceito de hiper-realidade.