terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Tudo é Possível, Nada é Certo


No universo hiper-real só conhecemos as camadas superficiais das coisas como elas aparecem para nós. Por baixo do pano o que nos resta são probabilidades, misticismo, possibilidades e ilusões. Como já disse Sócrates na antiguidade, aqueles que sabem alguma coisa são aqueles que admitem que nada sabem. A chave do enigma é: tudo é possível, nada é certo. No hiper-real temos infinitas possibilidades de interpretações para infinitas realidades coexistentes, tudo é uma questão de percepção. A dificuldade está justamente em encontrar uma "realidade real", visto que o sistema gerador do hiper-real sobrescreve qualquer possibilidade de se distinguir o real do imaginário, o verdadeiro do falso. Isto não significa que não há algo que seja verdadeiramente real, mas sim que nós não temos como distinguí-lo, uma vez que não temos referêncial para poder sustentar uma percepção que seja única e exata.

Como não há nada de certo e tudo é possível, aquilo que é firmado como uma certeza absoluta podemos categorizar como uma certeza provisória. Assim sendo, a afirmativa equivale a dizer que não há certeza única ou certeza final, mas apenas certezas relativas, condicionadas, intuitivas e pressupostas. A certeza é um termo que nos remete a algo tão fraco que mesmo Descartes, em pleno Modernismo, tinha dúvidas se realmente existia e elaborou um plano complexo, o chamado Discurso do Método, apenas para chegar a conclusão que se pensava, ele existia (cogito ergo sum), por que por mais que ele duvidasse disto, a própria dúvida evidenciava a sua existência.

O interessante, segundo Descartes, é que a certeza intuitiva de que existimos não traz a mesma segurança que a dúvida no mesmo contexto. Com isto Descartes inaugura um pensamento onde nem mesmo aquilo que vem dos sentidos pode ser dado como certo (os empiristas que o digam). Temos um exercício simples, porém muito bom para ilustrar a situação: dê um pulo sem sair do lugar. Através de experiência empírica e sabendo que a Terra gira em torno do sol, espera-se que a força da gravidade nos mova. Ou seja, mesmo dando um salto em linha reta, deveríamos voltar a uma posição diferente da original. Porém não é isto que acontece. Empiricamente, a Terra não se move em torno do sol, e sim o contrário. Isto prova que não devemos acreditar nem mesmo em nossos instintos, visto que eles comumente nos enganam.

Um bom exemplo de certeza condicionada e relativa pode ser encontrada em "Morte e Vida Severina", de João Cabral de Melo Neto. Quando o autor inverte a ordem do que é costumeiro ("Vida e Morte" por "Morte e Vida") ele brinca com as palavras e redefine o significado das coisas. Na vida tão difícil de Severino, que parte do sertão pernambucano para o litoral, a sua certeza é que a morte não deve ser pior do que a vida e a vida não é melhor do que a morte. Ou seja, a evidência do seu existir é a certeza que ele está morto, e o não-existir é a certeza de que pode haver vida - ao menos algo bom - proveniente de sua morte. Neste caso há certeza é condicionada a experiência de cada um, assim como é condicionada a definição das palavras e conceitos que nos permitem a conclusão de algo.

A história também nos mostra que certezas antigas são substituidas por novas certezas a cada ano. Uma vez que isto acontece, a questão é: quando será que teremos certezas sólidas? Jamais saberemos. Devido ao hiper-real não há como saber se algumas das certezas que temos hoje são permanentes ou provisórias. Os dois tipos se mesclam como se fossem gêmeos idênticos. Neste caso, o melhor é ficar com a dúvida.

Sempre haverá espaço para duvidar. Ser niilista também é um modo de progredir - e talvez seja o único: uma vez que conseguirmos destruir todas as aparências que mascaram a realidade, ficaremos desnudos e poderemos saber o que há por trás das camadas ilusórias que regem a vida. Vejam que eu disse "poderemos", pois aqui reside somente, e tão somente, a possibilidade de conhecermos o real com distinção entre as demais "realidades". Não há garantias por trás deste raciocínio, porém não vejo outro que seja mais eficiente: para saber o que há por baixo da terra, precisamos derrubar os prédios que nos impedem de chegar até lá.

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