sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cisne Negro


Não esperava outra coisa, que não fosse excelente, de um diretor do gabarito de Darren Aronofsky. Ainda muito jovem este é um dos iluminados do cinema, visto que desde Pi – seu filme de estreia – todos os seus trabalhos são clássicos do novo cinema (a título de curiosidade, no IMDB, seu pior filme tem a nota 7.4).
Logo já sabia que o filme seria algo melhor do que temos nos habituados a averiguar no cenário atual – onde remakes e continuações persistem num cinema que está ficando sem criatividade e a beira da falência. O que eu não sabia é que Cisne Negro era a principal obra de Aronofsky até o momento, candidato à melhor filme dos últimos anos.

Aronofsky demonstra ter habilidade de sobra para retratar os homens e seus demônios, parece conhecer como ninguém a loucura presente em cada um de nós, o grito contido na garganta e as consequências do sentimento reprimido. Como diria Gabriel Garcia Marques – “todo escritor sempre escreve o mesmo livro”, neste caso este diretor sempre dirige o mesmo filme, explorando cada vez mais a angústia do homem presente no mundo, assim como doenças da alma e do coração.

Uma breve sinopse: Cisne Negro é uma história que mostra a expectativa e o esforço da bailarina Nina em busca da apresentação perfeita para a estreia da nova montagem de O Lago dos Cisnes, balé composto em quatro partes pelo russo Tchaikovsky. Nina, já com 28 anos, sempre treinou arduamente para o papel principal, e agora que é selecionada, exerce uma enorme pressão em torno de si mesma.

Esta pressão faz com que Nina se torne uma mulher atormentada, perturbada e com mania de perseguição, que passa a ver coisas e imaginar situações que se confundem com o nível real. Logo Nina passa da breve pressão para ataques constantes de psicose e delírio pré-loucura. De certo modo, lembra muito o declínio de Raskólnikov, protagonista de Crime e Castigo, obra clássica de Fiódor Dostoiévski – tenho lá minhas dúvidas se o filme não foi influenciado pela literatura do escritor russo (coincidência ou não, existe um filme brasileiro chamado Nina que é baseado em Crime e Castigo).

O Cisne Negro permite uma série de análises complexas nos seus diferentes atos. É um filme que traz algumas fendas de reflexão que nos autorizam a mergulhar por horas em suas diretrizes distintas. Entre estes pontos podemos destacar a relação entre Nina e sua mãe, uma mulher protecionista que abdicou de sua carreira de bailarina, para cuidar de Nina – fruto de um relacionamento do que podemos classificar como “Uma Noite e Nada Mais”.

Nina pode ser vista como uma consequência de sua mãe (e não como uma filha ou uma cria): Nina é a oportunidade de sua mãe vingar-se como a continuidade da carreira de bailarina que foi “obrigada” a abandonar. Além disto, Nina é sempre vista como uma menina por sua mãe – o quarto decorado como uma menina de 12 anos, mais as regras e deveres impostos a protagonista, causam uma repressão e uma espécie de fúria contida, que traz graves sequelas posteriores.

Este relacionamento complexo entre mãe e filha corrobora ainda mais com minha teoria: nunca um escritor explorou tão bem a conturbada relação entre pais e filhos do que Dostoiéski, ilustrada tão perfeitamente em Os Irmãos Karamazov. Inclusive o ápice do delírio chega a um notável grau de semelhança entre o Cisne Negro e o livro. Deveras, os traços de influência estão lá, como se fossem easter eggs para os apreciadores do escritor russo.

Outro ponto de destaque é a conversão da menina ingênua, que é uma abstração do cisne branco, para a menina perversa, que nada mais é do que o cisne negro tão almejado. De fato, o cisne branco tem uma apresentação impecável, perfeita, onde devido aos traços inocentes da personalidade de Nina, não há dificuldade em preservar o papel. Entretanto o cisne negro peca em excesso: o cisne negro está muito distante de Nina e acaba por influenciar a sua apresentação.

Para que ela consiga chegar ao seu objetivo, há uma série de iniciativas provenientes principalmente de Thomas Leroy – o diretor da montagem – que tenta despertar o espírito malvado em Nina tão necessário para encarnar a personagem obscura do balé. Este dualidade entre o negro e branco desperta constantes desequilíbrios na protagonista, que chega a ter acessos esquizofrênicos durante boa parte do filme.

Por fim, não menos importante, é o relacionamento entre Nina e Lily, uma colega do balé que é personificação do próprio cisne negro. Lily é substituta direta de Nina, que vê em sua colega uma ameaça para o seu papel, o que acalenta ainda mais a pressão exercida por si mesma. Lily é o Gral de Nina, objeto de perseguição e obsessão. É para lá que Nina deve caminhar se quiser se tornar o cisne negro perfeito.

É neste clima que o filme se desenvolve. Não irei citar nenhum caso em específico para não diminuir a experiência daqueles que irão assistir. Entretanto é interessante guardar estes pontos em sua mente para que se possa criar uma posterior reflexão dissertativa, visto que possibilidades não faltam. Ademais, outros pontos, que não os apresentados neste texto, podem ser explorados. O filme é quase inesgotável.

Portanto Clint Eastwood que se cuide, pois está chegando Darren Aronofsky, um diretor da nova safra que ainda trará outras preciosas iguarias para o nosso cinema. Arrisco-me a dizer que no futuro ele será considerado o melhor de todos os tempos. Se continuar neste ritmo, o que eu disse não será nenhuma adivinhação, mas um fator lógico a ser considerado.

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