terça-feira, 15 de abril de 2008

O Antro dos Justos Injustiçados

No ano de 523 dC, Anicius Manlius Torquatus Severinus Boetius, conhecido na língua portuguesa apenas por Boécio, foi condenado à prisão, acusado de praticar magia e traição, acusações que não refletiam necessariamente a verdade, mas sim os interesses políticos daquele período: basicamente eles fez inimizade com as pessoas erradas (para quem quiser se aprofundar mais, recomendo que pesquisa o verbete no Wikipedia ou clique aqui). Foi cruelmente torturado e condenado a morte sem nem mesmo um julgamento.

Neste período que ele passou trancafiado, escreveu, talvez, a sua obra mais importante: "A Consolação da Filosofia", um texto bastante poético e metafísico. A motivação para escrever este livro estava justamente na tentativa de encontrar a paz de espiríto dentro da filosofia, uma vez que eles estava prestes a morrer. Então, a grosso modo, o livro estabelece um diálogo entre ele, as lamentações de sua vida anterior e a filosofia. Ele se inspira em Sócrates, que a beira da morte, manteve a serenidade, a calma e até mesmo a irônia diante da morte.

Entre os diversos problemas colocados no livro, talvez alguns deles ainda sejam discutidos neste blog, selecionei um deles para montar a minha presente reflexão: Boécio, estadista, filho de uma linhagem nobre, questiona "Por que os justos sofrem?".

Este é um problema discutido até os dias de hoje, e que há muitos anos atrás já havia sido colocado. Sócrates que o diga. Este é um daqueles questionamentos globais, mesmo as pessoas mais simples ou mais sofisticadas, não conseguem entender por que as leis que regem o universo não respeitam sentenças simples como "a felicidade se encontra no bem" ou "a tristeza se encontra no mal". Bonança para os justos e a ruína para os injustos.

Quando uma pessoa inocente é condenada, somos testemunhas de que existe injustiça. Na balança que rege a ordem no mundo há coisas que não somos capazes de entender. Isto evidencia outra consequência: talvez não haja uma ordem no mundo, talvez o mundo seja regido pelo caos. Isto desfaz o conceito de previsibilidade: os acontecimentos que regem o mundo são imprevisíveis.

Ou seja, o justo e o injusto são palavras que sairiam fora do nosso vocabulário, pois deixariam de existir estes conceitos. Para reformularmos os mesmos deveríamos filosofar a respeito de outra pergunta: "O que é o justo?".

Quanto à imprevisibilidade, até mesmo a Física, assim como a Filosofia, admite a existência. Com as recentes descobertas da física quântica, precisamente em mecânica, sabemos o seguinte: toda a luz, quando passa luz através de um vidro, sempre passa uma parte de fotons para o interior e outra parte fica retida no vidro. Quanto mais escuro o vidro, mais fotons são retidos e menos passam para o interior. Se tívessos como parar o tempo, a um milímetro antes do feixe de fotons passar pelo vidro e perguntássemos quais seriam os fotons que iriam passar e quais são aqueles que seriam retidos a resposta seria uma só: não há como saber! É impossível saber! Isto comprova a imprevisibilidade até mesmo na Física.

Como evidência mais próxima do campo da moral e da ética podemos observar os políticos corruptos, que de certa maneira estão acima da lei. Eles roubam o dinheiro de impostos, enriquecem e continuam fazendo isto, pois não há nada que possamos dizer para eles pararem de roubar, visto que é algo que faz bem para eles. E este é um mundo egoísta e egocêntrico justamente porque não temos uma resposta bem fundamentada para responder as questões "Para que ajudar o próximo? Para que serve o respeito? Para que irei pensar nas gerações futuras, se eu não irei viver mais de 100 anos? Para que irei deixar de sair com dez mulheres, se a minha esposa não sabe e faço todas felizes, inclusive eu? Para que deixar de mentir, se sempre acabo sendo o beneficiado? Por que não gastar, já que quem vai ter que pagar é o meu marido?".

Enfim, são questões difíceis de serem respondidas, graças à este caos que impera o mundo. O capitalismo veio para acender estes tipos de valores "imorais". A queda da igreja, que antes tinha um grande poder no direcionamento humano, deu esta "liberdade" condicionada para o homem competir contra ele mesmo. Visto que o capitalismo dá liberdade para quem não sabe ser livre, estamos condenados a pensar o que os grandes aproveitadores e regentes deste sistema querem que nós pensemos. Eis a religião da máquina.

E com o caos, a injustiça, a imprevisibilidade e tudo o mais, ficará difícil manter pedra sobre pedra por mais muitos anos. E Boécio, lá atrás, já havia sido vítima da injustiça, condenado sem julgamento. Alentamos o fogo do ódio ao saber que o justo se dá mal e o injusto se dá bem. E a máquina, parcebo, que inverte de vez os valores e transmite uma sensação de infinitude que nos levará diretamente ao fim. É a extinção da espécie humana.

3 comentários:

  1. A máxima cristã "Ama ao próximo como a ti mesmo" seria o suficiente para resolver praticamente 100% dos problemas do mundo. Infelizmente, as pessoas não deixaram ainda seu lado "animalesco" e não evoluíram para um novo grau de "espiritualidade". Enquanto agirmos como animais, sempre estaremos tentando beneficiar nós mesmos e nossa família, pois assim ditam os instintos. O problema não é o sistema, nem nenhum deus ou diabo. O problema é tão somente, como sempre foi, o homem.

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  2. Os antigos românticos alemães que o digam!

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  3. Lembrando que tudo aquilo que favorece o nosso egoísmo e nosso egocentrismo apenas aumenta esta coisa animal que já está dentro de nós. Seria preciso retomar alguns valores éticos antigos que nos ensinavam a conviver em sociedade, ou criar uma nova moral que vise a mesma coisa, pois o homem, sozinho, não é capaz. É a lei do cão.

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