terça-feira, 15 de abril de 2008

Wittgenstein - O Fim da Filosofia

Este post dá prosseguimento ao estudo e análise realizada por mim do livro Tractatus Logico-Philosophicus da autoria do filósofo Ludwig Wittgenstein. Caso deseje visualizar os outros textos que escrevi a respeito, clique aqui.

No Tractatus Logico-Philosophicus, na parte 4.114, a respeito da filosofia Wittgenstein diz:

"Cumpre-lhe delimitar o pensável e, com isso, o impensável. Cumpre-lhe limitar o impensável de dentro, através do pensável."

Você entendeu o que Wittgenstein quis dizer com isto? Não? Parabéns! Você está no caminho certo! O que Wittgenstein propõe é estabelecer um limite do que pode ser pensado a partir de dentro (e, consequentemente, ser dito) e o impensável (o que não pode ser dito). Só que ao fazer isto não estaria o filósofo entrando em contradição? Pois mesmo para falar de limites pressupõe que você reconheça que exista o ilimitado, porém como pensar o que não é possível pensar? Como dizer o que não é possível dizer? Também teríamos que conhecer o limite, isto seria possível? Afinal, tudo o que pode ser pensado pode ser pensado e dito com clareza, como ele mesmo diz na parte 4.116 do Tractatus. Não pode ficar dúvida nenhuma acerca do significado das coisas.

Sendo assim, não é possível nem ao menos dizer o que Wittgenstein está dizendo, sobre as coisas que não podem ser pensadas. Ele mesmo reconhece, na parte final do Tractatus (6.54 e 7):

"Minhas proposições elucidam desta maneira: quem me entende acaba por reconhecê-las como contrasensos, após ter escalado através delas - por elas - para além delas. (Deve, por assim dizer, jogar fora a escada após ter subido por ela.)
Deve sobrepujar estas proposições, e então verá o mundo corretamente.
Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar."


E então Wittgenstein sai da sala, fecha a porta e dá adeus à filosofia!

Isto mesmo! Além dele afirmar que você, após se debruçar sobre o Tratactatus, se não entendeu o que ele quis dizer, significa que você o entendeu, ele esgota a filosofia ao afirmar que tudo o que é importante está fora deste campo. Então ele desvela tudo o que foi dito até hoje e expõe todos os filósofos num papel de ridículo fracasso ao dizer que eles fizeram as perguntas erradas! Perguntas a qual não há respostas!

Mas visto que a proposição pode representar o mundo, e visto que ela não é o mundo, como podemos relacionar a nossa linguagem com o mundo em si? Qual é este ponto em comum entre o que dizemos e pensamos com as coisas nelas mesmas? Como já dizemos brevemente em outros posts, Wittgenstein atribui esta relação à forma lógica.

A forma lógica não é algo que pode ser dito ou pensado, mas o que se espelha e se exprime na linguagem, e que não pode ser representada através dela mesma. Então como dizer sobre a forma lógica. Simples, ela não pode ser dita, porém pode ser mostrada. A proposição mostra a forma lógica da realidade. Ou seja, é através da forma lógica que relacionamos a linguagem ao mundo.

Mas como se dá algo que não pode ser falado, apenas mostrado? Peguemos como exemplo o sentimento do amor. O amor não pode descrito com fatos, ainda assim sabemos que amamos. Também reconhecemos outra pessoa, independente do que ela faça ou diga, que ama. O amor faz parte do absoluto, e não do relativo. Quando tentamos descrever o amor e relativarmos, falamos de uma série de coisas, porém, ao rever a declaração, assumimos que não é bem isto. É muito mais do que isto que descrevemos. Porque não há como reduzir o amor, por isto mesmo não podemos falar sobre ele, sequer pensar nele, pois ao fazermos isto nós colocaríamos ele como um objeto qualquer.

Para deixar ainda mais claro o que queremos dizer, vamos tomar a música "Amor I Love You", composta por Carlinhos Brown e Marisa Monte: depois de dizer inúmeras coisas para descrever o seu sentimento com absurdos metafóricos como "Hoje contei pras paredes / Coisas do meu coração / É um espelho sem razão / Meu peito agora dispara" entre outras, na música é recitado um trecho de Eça de Queiróz que diz:

"Tinha suspirado... tinha beijado o papel devotadamente.
Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades,
E o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas
Como um corpo ressequido que se estira num banho tépido.
Sentia um acréscimo de estima por si mesma,
E parecia-lhe que entrava enfim
Numa existência superiormente interessante;
Onde cada hora tinha o seu encanto diferente...
Cada passo conduzia a um êxtase...
E a alma se cobria de um luxo radioso de sensações."


E, no fim, como se isto ainda não bastasse para demonstrar tudo o que era o amor, pois o sentimento era muito mais do que havia sido descrito, ela canta "Amor, I Love You", ou seja, tenta transceder o próprio limite da linguagem e dizer algo diferente (neste caso, em um outro idioma), que é uma tentativa de ir além de dizer simplesmente dizer "Amor, Eu Te Amo". Como que se quando dissesse "I Love You" estaria indo adiante do próprio significado da tradução.

Perceba que ainda assim isto não é suficiente para descrever o amor. Como disse, ele está em nível absoluto. Faz sobre ele é reduzi-lo.

O mesmo pode valer para falar de Deus. Deus não pode ser falado ou pensado, pois isto seria reduzi-lo para algo como uma caneta.

Para Wittgenstein, os fatos (ou aquilo que pode ser dito e pensado) têm o mesmo valor. É no místico (tudo aquilo que não é fato, como percepção do belo e sentimentos) que reside a vida. Ou seja, a vida acontece naquilo que não pode ser falado e tudo o que é importante não pode ser falado.

Por isto mesmo ele esgota a filosofia e diz que ela não serve para nada. De certa maneira, ele desmascara tudo o que a filosofia representava até o momento.

Para Wittgenstein, filosofar é um exercício a ser praticado, e não algo que gere um conteúdo. Isto permite que possamos aproximar o seu pensamento com o de Sócrates, que também considerava a filosofia um exercício. Eles não pretendiam fórmular teorias e gerar conhecimentos.

Os dois pretendem apenas revelar a condição de ignorância do homem a respeito das coisas do mundo.

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