quarta-feira, 21 de maio de 2008

O Estrangeiro: Uma Reflexão

Neste belo período, onde atendo todos os meus desejos culturais, não poderia deixar de comentar a respeito de um livro que eu já queria ler há muito tempo, porém só pude apreciá-lo nesta ultima semana: se trata de O Estrangeiro de Albert Camus. Se trata de um daqueles livros infinitos, com infinitas possibilidades de análise, de rara profundidade e que traça um retrato do homem e de suas relações. É, se assim posso dizer, como a Metamorfose de Franz Kafka, quanto à sua beleza, porém diferente quanta a sua narrativa.

Para situar melhor a obra de Camus, é necessário traçar uma pequena biografia (recomendo insistentemente que você leia o verbete completo no wikipedia. Para isto, clique aqui): Nasceu em 07/09/13 na Argélia numa familia muito pobre e humilde. Camus foi constituido em torno da guerra, da fome e da miséria. Praticamente não conheceu o seu pai (ele morreu na Batalha de Marne no ano seguinte ao nascimento de Camus). Sua familia tinha enormes problemas financeiros, sua mãe lavava roupa para fora e quase que ele abandona o colégio por causa destas dificuldades.

Por fim, ele finalmente consegue se tornar doutor em filosofia com uma tese sobre Santo Agostinho, porém antes de se tornar professor, uma grave crise de tuberculose o afasta do meio acadêmico. A possibilidade real de morte, no seu dia-a-dia, acabou por influenciar toda a sua obra, que retrata as angústias de seu tempo, basicamente o absurdo de existir.

Em 1942, estabelece uma relação estreita de amizade com o filósofo Jean-Paul Sartre, cujo corrente existencialista estará presente em seus textos, embora Camus negue e prefere apenas dizer que suas obras tratam apenas do absurdo. Em 1957 ganha o Prêmio Nobel da Literatura.

Morre em 1960 num acidente de automóvel, onde ele não deveria estar, visto que viajaria de trem. A respeito da morte do filho, sua mãe diz "Jovem demais" e morre no mesmo ano.

Em "O Estrangeiro", Meursault é o narrador de sua própria história. Homem simples, alienado, é assaltado pela morte de sua mãe, cujo aviso se dá através de um telegrama do asilo a qual ela vivia. Ao comparecer no enterro, o protagonista está totalmente desprovido de sentimentos. A morte de sua mãe, aparentemente, é um acontecimento como outro qualquer, e não lhe abala em nenhuma proporção.

No dia seguinte conhece Maria, a qual inicia um caso onde o sexo prevalece, pois Meursault deixa claro, a certa altura da história, que ela não a ama. Também conhece Raimundo, um dos seus vizinhos, e posteriormente irá livrá-lo de uma confusão iniciada com uma de suas amantes arábes: Raimundo espancou a mulher e precisava de um álibe para reforçar que a briga não ocorreu sem razão. O protagonista aceita testemunhar a seu favor e Raimundo acaba livre.

No decorrer da história, Raimundo e Meursault se encontram com o irmão da mulher espancada, eles acabam por brigar e Raimundo sai ferido. Na sequência, Meursault retorna ao local e reencontra o árabe, quando ele surta devido ao forte sol que fazia e acaba por assassinar com um tiro a queima-roupa, e depois mais quatro com o corpo caído no chão, o pobre árabe.

Na segunda parte do livro, Meursault é preso e seguirá um julgamento para estabelecer a sua pena. Os acontecimentos que seguem são focados, não no crime cometido - este o protagonista já havia confessado - mas na relação que ele tinha com a sua mãe. Juízes, advogados, promotores, jurí e imprensa não estavam interessados na morte do árabe, mas sim em como um ser humano não conseguia chorar no funeral da própria mãe. Percebam que para este público, a gravidade em não ter piedade da mãe era maior do que ter assassinado o homem, como se isto figurasse num crime infiançável. Em determinado momento do julgamento, ele é questionado se amava a sua mãe "Sim, como todas as outras pessoas que amam as suas mães". "Mas você não chorou em seu enterro?", "Não, não chorei".

No fim, a sentença: condenado à morte por não ter tido sentimentos em relação à morte de sua mãe.

Durante os dias que ele espera que execultem a sua sentença, o capelão insiste veementemente para que ele se volte para Deus, na busca de apaziguar a sua aflição, porém Meursault se revolta e fica extremamente irritado com o capelão, pois não acredita em Deus. Antes de ser execultado, Meursault reconhece a "terna indiferença do mundo" em relação ao humanidade.

"Para que tudo fosse consumado, para que eu me sentisse menos só, restava-me apenas desejar que houvesse muitos expectadores no dia de minha execução e que eles me recebessem com gritos de ódio."

Ao término da leitura, um turbilhão de coisas surge em minha mente. Podemos iniciar com a indiferença neutra em relação à morte de sua mãe. Obviamente, a morte da mãe não é a morte de qualquer pessoa. Camus não teria tido o mesmo efeito se fosse o irmão, a esposa ou o cachorro que tivesse morrido. A mãe, do ponto-de-vista global, é uma divindade terrestre intocável que está logo abaixo de Deus na escala hierarquica de adoração. Ou seja, a indiferença de um filho em relação à morte de sua própria mãe seria uma forma de demonstrar o extremo da frieza em uma pessoa.

Porém, aí se encontra os primeiros questionamentos: seria este tipo de comportamento, necessariamente, um mal? Isto poderia definir a espécie de pessoa que ali se encontra? Chorar na morte do ente querido relaciona-se ao bem enquanto o contrário relaciona-se ao mal?

Não, isto não poderia ser uma verdade. O que observamos é que existe toda uma tradição simbólica responsável pela geração de padrões. Padronizar é deixar as coisas semelhantes. Neste caso, a tradição diz que o normal é que se chore na perca da pessoa querida, tudo o que estiver fora disto é considerado anormal, fora do padrão, fora do mundo. Uma pessoa que não tem um comportamento fora da normalidade, não é bem-vindo para conviver em um sistema de pessoas normais, por isto são visto com maus olhos.

Quando Camus insere um assassinato para motivar um julgamento, onde apenas a frieza quanto à morte de sua mãe é análisada, o autor propõe um novo extremo: nem o fato de uma pessoa ter morrido tem grande relevância quanto a anormalidade de um sentimento que nem mesmo pode ser comprovado. Sim, a morte é possível analisar, medir a sensibilidade não. Ainda assim, esta ultima é que a que interessa ao público em geral.

Num dado momento, Maria é chamada para testemunhar. Ela diz que Meursault é um homem carinhoso, funcionário exemplar, enfim, um homem de bem. Porém a promotoria questiona se é verdade que ela começou a se relacionar com o protagonista um dia após a morte de sua mãe, ela, tristemente, responde que sim. Então o promotor faz um pequeno discurso inflável ao público: "Como pode, caros senhores, que um senhor que acaba de perder seu ente mais querido consiga ter com outra mulher no dia seguinte ao enterro? Todos sabem que uma pessoa normal não teria cabeça para estas coisas, com a mente tomada pelo pesar".

Percebam que este argumento é inválido por não tratar do crime, porém o promotor diz algo como: "O que esperar de uma pessoa como esta? Como ela poderá viver em sociedade? Nem mesmo um animal reagiria desta forma!". No fim, a sentença é a morte.

Durante a espera da execução, um capelão tenta, gentilmente, aproximar o condenado de Deus. O protagonista nega suas visitas, porém, em determinado momento, ele invade a cela e utiliza o seguinte argumento: "Você tem fé em Deus", "Não, eu não acredito", "Mas, meu filho, na hora final, nenhum homem até hoje conseguiu suportar este fardo sem o perdão de Deus", "Mas eu não quero", "Então não há salvação para você".

Enfim, não há salvação se você não acredita, não interessa o que você fez em vida, quem você foi e qual é a sua história, você não chorou e você não tem fé, então você não é nada. A vida é um absurdo, segundo a filosofia do Camus quem cria um sentido para vida é você mesmo. A vida, em si mesma, é desprovida de sentido.

Basicamente, a existência se reduz à um grande absurdo e sem o menor significado.

Um comentário:

  1. O absurdo da existência é que estamos aqui e não sabemos ao certo o porquê. Há quem se contente na explicação religiosa. Mas há quem sequer se pergunta (como no livro "O DIA DO CORINGA"), e simplesmente vive sem saber porque. Neste nicho entra o consumismo, o capitalismo, o "sonho americano", etc. Felizmente, há pessoas preocupadas em saber o que estamos fazendo aqui. Sejam os cientistas, sejam os filósofos.

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