domingo, 13 de julho de 2008
Boot Camp: Os Passos da Besta e da Crueldade
Neste final-de-semana assisti a um filme que não chega a ser sensacional, porém é chocante. Se não fosse os dizeres "Este filme é baseado em fatos reais" talvez passaria despercebido por mim. Entretanto, após chegar ao término, fui investigar mais a fundo e descobri que coisas muito piores do que as relatadas no filme acontecem ainda hoje.
O filme se chama Boot Camp (que pode ser traduzido como Acampamento de Recuperação em português) e segundo o site Choveu ele sairá por aqui, a partir do dia 16/07/2008, direto em DVD, com o nome de A Ilha - Uma Prisão sem Grades.
Segue a Sinopse:
Boot Camp é um thriller psicológico sobre um grupo de jovens rebeldes que são enviadas para uma casa de reabilitação em um remoto campo das Ilhas Fiji. Mas o que seus pais acreditam ser uma respeitosa e artística instituição de luxo em um lugar calmo e perto da natureza se torna uma prisão onde esses jovens são levados a um pesadelo. E é neste verdadeiro campo de batalha que eles serão submetidos a diversos abusos e lavagens cerebrais. Submetidos as situações extremas e com a sanidade mental ameaçada, estes jovens deverão enfrentar o diretor militarista e sua utópica visão de ordem, para conseguirem escapar.
O filme é um show de tortura psicológica e física, e assemelha-se bastante ao que acontece nos campos militares, com uma exceção: os torturados são crianças enviadas pelos próprios pais na espectativa que os filhos aprendam a lhes obedecer. Para eles pararem de serem torturados, precisam torturar os outros. Só assim podem subir de nível, numa espécie de hierarquia onde quanto mais alta, mais direito a regalias.
Enfim, só vendo o filme para se sentir chocado ao ver crianças, que muitas vezes não cometem nem ao menos um crime, sendo enviadas para verdadeiros campos de concentração. Porém eu, em minha ingenunidade, achei que o filme era exagerado e o inicio que dizia que "Este filme é baseado em fatos reais. Há atualmente mais de 20.000 acampamentos de recuperação ou com regras similares ao chamado Amor Duro, abrigando milhares de crianças no mundo. Eles operam virtualmente sem nenhuma regulamentação ou fiscalização do governo." fazia parte da estratégia de instigar a curiosidade do público. Porém, no fim, os produtores do filme insistem na questão e complementam os dizeres iniciais com os seguintes: "Desde o começo do movimento Amor Duro de reabilitação em 1970, centenas de milhares de crianças têm sido enviadas para programas iguais ou similares a este. Tem sido relatados mais de 40 mortes nos acampamentos. Não há estatísticas de quantas vidas têm sido irreparavelmente danificadas."
Fiquei com isto na cabeça, muito incomodado pela possibilidade do real, e fui investigar a veracidade dos eventos demonstrados. Segundo o wikipedia, Boot Camps fazem parte do sistema de correção de jovens que cometeram o primeiro delito como substituição ao tradicional sistema de carceragem no EUA, ainda que diversos países adotem sistemas semelhantes. O modelo deste tipo de punição é baseado nos mesmos moldes de campos de recrutamento militares e o objetivo é fazer com que eles sejam re-educados, aprendam a obedecer regras e respeitar hierarquias para serem re-inseridos na sociedade. O tempo de tratamento varia entre 90 e 180 dias e caso o programa não seja completado, o jovem volta para o sistema tradicional de punição e é encarcerado. Estes campos de recuperação podem ser empresas privadas ou do próprio governo.
Neste caso, temos uma espécie de Febem paulista, porém com regras mais rígidas para os criminosos de primeira viagem, o que, em teoria, seria válido como forma de tentativa, pois assim estes jovens não retornariam a cometer outros crimes quando voltassem para as ruas. A punição segue o príncipio de agir antes, ainda que com certo rigor, do que tentar fazer alguma coisa quando não tiver mais o que fazer. O problema é que no comando destes lugarem estão homens, e sabemos que o poder corrompe os homens, então surgem episódios como a do garoto Martin Lee Anderson, que no início de 2006 teve um colapso e faleceu enquanto era obrigado a continuar correndo mesmo sem aguentar e visivelmente fatigado, durante um exercício. Vídeos flagaram toda a ação e a negligência em atender o garoto mesmo após ele estar esparramado no chão - demoraram cerca de 20 minutos para chamarem o socorro médico. No julgamento pela morte de Anderson, todos os envolvidos foram inocentados. Toda a ação, vídeos e afins podem ser acessadas no site oficial do menino, para isto, clique aqui.
Porém, embora exista polêmica, assim como no tratamento da Febem, não era exatamente isto que eu vi no filme. O que eu vi foram jovens enviados para campos de recuperação privados apenas com o consentimento dos pais. Estaria os criadores do filme equivocados?
Como sempre faço ao terminar de assistir qualquer filme, fui avaliar o mesmo no imdb e dei nota 8 de 10 possíveis. Ao ler a parte de discussões do filme, vi dois tópicos que me chamaram a atenção: Este filme é realmente inspirado em fatos reais? e Estes lugares existem. O primero levanta uma questão que estava dentro de mim e o segundo responde.
Para sintetizar a discussão, a resposta é sim, caros amigos, estes lugares existem até os dias hoje. Tem preço, endereço, telefone, fotos, vídeos e depoimentos de quem passou por lá. No próprio imdb existem relatos de quem teve parentes e conhecidos colocados nestes lugares e a coisa parece ser bem pior do que as demonstradas no filme. Um membro relata que a sua ex-namorada foi agredida e molestada por funcionários. Um destes lugares é conhecido como Tranquility Bay, que é o local que inspirou o filme. Se trata de uma ilha isolada na Jamaica que, segundo o próprio site da empresa, a especialização é no tratamento de jovens e adolescentes problemáticos, entre 11 e 19 anos de idade.
Na web, estão centenas de artigos e depoimentos denunciando os maus tratos e abusos desta instituição, onde caminha a própria Besta e a Crueldade entre as crianças. Os pais pagam até o equivalente a R$ 5000,00 por mês para terem os seus filhos tratados nestes campos e muitas vezes não sabem o que acontecem por lá, visto que ligações e visitas são geralmente proibidas.
Alguns depoimentos podem ser conferidos através de movimentos como o TBfight.com e o cafety.org, que lutam pelo fim destes tipos de instituições. É barbaridade o que acontece. São recorrentes cenas de abuso, estupro, tortura psicológica e agressão física. Uma garota chegou a ficar três meses sem poder falar com alguém, isolada num quarto. As vezes são obrigados a comer uma "comida estranha", que eles mesmo não sabem distinguir e são horríveis. Um garoto apanhava de chinelo e ficou sem as suas medicações - sendo que ele tinha sérios problemas para respirar.
Veja algumas fotos do local encontradas na web:
Numa discussão, os próprios pais relatam os abusos e demonstram arrependimento ao terem optado em colocar os seus filhos nestes locais. Um deles diz que assim que ele ficou sabendo que seu filho era mal tratado, ele o transferiu para um outro local. Então um outro participante da discussão disse: "Por acaso o problema não seriam vocês, pais que colocam os seus filhos em verdadeiras prisões?". A resposta é comovente: "Não diga isto! Quando você for pai você irá entender o que é querer fazer de tudo para que seu filho ande por vias normais e as medidas desesperadas que muitas vezes tomamos. Jamais deixamos de amar os nossos filhos!".
Estes são os fatos. A verdade nua e crua sem maiores detalhes ou ornamentos. Para mim, uma coisa que parecia somente ficção mostrou que a realidade é pior do que qualquer filme, por pior que seja. Sim, vivemos numa comunidade de monstros que querem ganhar dinheiro a qualquer custo moral ou ético, sem se importar em ferir valores, histórias ou tradições que um ser humano possa ter.
Pois estes Boot Camps são apenas empresas que visam o dinheiro e desprezam totalmente o homem, os tratando como lixos, com nojo e repugnância, como se fossem insetos miseráveis.
Quanto mais eu vejo, mais eu sinto vontade de desistir de tentar mudar alguma coisa. É duro, porém, devemos continuar. O caminho é a luta e a persistência, só assim poderemos nos manter seres íntegros e que respeitam o direito e as escolhas dos outros.
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Ridículo mesmo é ver pessoas sem o mínimo preparo para ser pais! Na total incompetência ou mesmo negligência, eles pagam e delegam isso a terceiros! Os americanos adoram fazer isso: pagar para os outros fazerem por eles. Mas no caso de criar seres humanos, a coisa não funciona desta maneira! Não sei se temos coisa similar no Brasil. Nunca ouvi falar. Isso tem mais cara mesmo é do povo americano, que é um povo doente e fadado à decadência.
ResponderExcluirSim, caro Duduziuz. Este foi o meu primeiro pensamento: quem deve ter problemas são os país! Porém, ao investigar mais a fundo, resolvi tentar imaginar como deve ser a vida destes pais que têm filhos envolvidos em gangues, filhos racistas, filhos que são assassinos, que vivem no mundo das drogas, e não consegui imaginar quão grande deve ser o desespero para tentar fazer alguma coisa.
ResponderExcluirEntão resolvi me manter em silêncio em respeito aos pais, pois me falta a devida experiência para opinar.
Saiba, entretanto, que coisas semelhantes acontecem no Brasil sim. Eu até iria dar continuidade no assunto, mas o post já estava grande demais (talvez fique para um próximo). Um dos últimos sobreviventes que relatou sua experiência foi o paranaense Austregésilo Carrano Bueno, autor do livro proibido Cantos dos Malditos, que inspirou o filme Bicho de Sete Cabeças.
Seus pais o internaram porque ele tinha problemas de relacionamento e de envolvimento com drogas, e lá ele foi submetido a uma infinidade de torturas físicas, psicológicas e algo ainda mais grave: seções de eletrochoque, a qual deixou ele com sequelas permanentes.
Infelizmente Carrano faleceu faz mais ou menos 45 dias, com apenas 51 anos de idade.
Procure algo a respeito e verá que a crueldade no tratamento de jovens está presente no mundo inteiro.
fiquei horrorizada ao ver o filme e fui pesquisar mais sobre o assunto. Seu blog tirou todas as minhas duvidas. O que esses pais tem na cabeça de mandarem dos filhos para lugares ate então desconhecidos?!
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