terça-feira, 22 de julho de 2008

O Múltiplo Ser-Múltiplo

Ainda no início de minha adolescência, sempre me encantei com os diversos personagens criados por Fernando Pessoa como sendo figuras reais, os chamados heterônimos, que nada mais é do que uma espécie de gênese de múltiplas personalidades virtuais. Hora ele escrevia como Alberto Caieiro, hora escrevia como Álvaro de Campos, outras vezes como Ricardo Reis e outras como ele mesmo. Além destas figuras, ele também escreveu diversos fragmentos com o pseudônimo de Bernardo Soares (reunidos num belíssimo livro conhecido como "O Livro do Desassossego").

Na figura enigmática de Pessoa, me deliciava com a complexidade do homem, pois cada heterônimo do autor falava por si mesmo: todos tinham uma história, um estilo e uma biografia, de modo que era encantador brincar de descobrir de quem se tratava determinado texto ou frase. A questão que rondava na minha cabeça era: como pode um homem criar tantas personalidades sem que elas entrem em conflito?

Pois bem, chegamos aos dias de hoje e vejo que nem é tão difícil assim encontrarmos casos de pessoas que vivem diversas vidas e têm os mais variados estilos (vale frisar que está afirmação não diminui em nada a genialidade de Pessoa). Nós mesmos somos diferentes em diversas situações e acabamos por encarnar figuras diferentes várias vezes durante o dia: para a nossa mãe interpretamos um bom filho, para nossos filhos um bom pai, para nossos amigos somos mais irreverentes, para as nossas amadas somos os românticos, para os nossos chefes somos os mais eficientes e formais. Enfim, em cada ambiente conseguimos uma façanha tremenda, onde muito ator de cinema e teatro pena para adquirir tal arte.

Mas porque não podemos ser simplesmente nós mesmos? A resposta nem é tão difícil assim, com um pouco de esforço você mesmo chegará numa excelente resposta, afinal, neste mundo de faz-de-conta, onde nada mais é real, é preciso dançar conforme a música para que nos enquadremos aos padrões considerados corretos. Porém, o que mais me assusto - e isto é um artifício da máquina - é que as pessoas nem mesmo se conhecem. Elas acabam por interpretar uma personagem para si mesma, para que assim possam se convencer de que realmente são as melhores pessoas. Porém, o referencial para construção desta personagem é o próprio objeto-desejo de consumo universal. Ou seja, as melhores pessoas são as que têm o melhor carro e o melhor celular. Também são as mais bonitas e as mais bem vestidas.

Por isto é tão necessário ter debaixo da manga tantos personagens pré-conscientes para que atuem na hora certa, pois este mundo, assim como a Disneylândia e o Hoppi-Hari, é construído por fora de uma cortina de fumaça impenetrável e invisível, e é preciso ser pessoas inautênticas para viver uma vida inautêntica numa sociedade inautêntica.

Nenhum comentário:

Postar um comentário