domingo, 26 de outubro de 2008

Ben X


Geralmente os filmes que retratam episódios de bullying são, simultaneamente, revoltantes, chocantes e emocionantes. Sempre torcemos para que a coisa acabe bem e no fim o que é resta é mais uma tragédia. O bullying, assim como a Segunda Guerra Mundial, gera diversos materiais para o mundo das artes, seja na literatura, no teatro ou no cinema, afinal é tanta história para contar, e todas tão cruéis – ao mesmo tempo que são belas – que parece que por mais que se fale nunca é o suficiente e sempre nos surpreendemos.

Foi assim com o espetacular Klass, que refez o episódio conhecido como “O Massacre de Columbine” – a mais famosa consequência de um caso de bullying, e com o emocionante Ondskan. Agora resenho para vocês o holandês Ben X – mais um que segue a mesma fórmula: um adolescente constantemente violentado moralmente numa escola cujo o desfecho não é dos mais alegres.

Ben é um jovem com um leve nível de autismo, que é o suficiente para deixá-lo com as notas mais altas da escola e com uma dificuldade de socializar com os seus colegas. Ben não sabe – não consegue – responder questões simples ou mesmo manter um breve diálogo. Na verdade, ele nem ao menos consegue expressar uma frase completa. Ele é o modelo ideal para ser vítima dos baderneiros de sua classe, graças ao sistema competitivo e desumano que ensinamos aos nossos filhos desde o primeiro dia que ele vem ao mundo: “você deve ser o melhor”.

Ben só consegue ter o controle da situação quando está em frente ao computador jogando o RPG OnLine ArchLord. No universo do jogo, lá ele é visto com respeito por toda a comunidade, afinal é um dos mais poderosos, tem uma grande admiradora – que acaba por se tornar sua grande paixão – que jamais conheceu no mundo real. Ou seja, a vida para ele acontece no virtual. No mundo de faz-de-conta proposto pelo jogo, ele está em âmbito superior. Lá ele rege a sinfônia e sabe como lidar com qualquer coisa que apareça. Em contrapartida, fora das telas ele não é ninguém. Porém nem esta invisibilidade irá deixá-lo em paz. Como figura atormentada, alguns de seus colegas aproveitam deste quadro para lhe torturar.

Para Ben, a salvação está sempre no jogo. Então ele estabelece paralelos entre o mundo real e o mundo virtual para tentar entender as coisas. Logo, observa as coisas similares entre ambos os universos e percebe que é hora de jogar a última partida da vida. Durante todos os momentos, o que irá lhe ajudar a suportar seus medos será a figura de sua paixão virtual, que até propõe um encontro na vida real para Ben. Porém, inseguro, ele até se encaminha para o local combinado, mas não consegue se aproximar da garota.

Então Ben irá criar toda uma fantasia no mundo real, como se fosse um jogo, para triunfalmente chegar até o fim da partida. O que vemos a seguir é um espetáculo de imagens, numa poesia visual extremamente bela. Finalmente ele chega num consenso de como ele gostaria de que as coisas fossem e consegue vivenciar cada momento até chegar ao fim. O virtual se confunde com o real e o imaginário.

Plenamente satisfeito, Ben finalmente está feliz. Tomado as palavras de Alvares de Azevedo, poeta brasileiro, é como se dissesse “deixo a vida como quem deixa o tédio”. Se suícida. O bullying tem uma nova vítima.

Game over.

O diretor e roteirista Nic Balthazar, disse que ele se inspirou num fato real para fazer o filme, quando em uma cidadezinha, leu em um daqueles jornais de bairro, a respeito um jovem de 17 anos com síndrome de Asperger que havia se arremessado de um castelo graças a pressão exercida pelos praticadores de bullying (conforme carta escrita por ele). Isto fez com que ele ficasse chocado e retratasse a história através do cinema. É um triste, porém, bonito filme num gênero que sempre faz com que pensamos nos nossos atos e neste mundo tão cruél.

Um comentário:

  1. Bravo!
    Este se tornou um dos meus filmes preferidos de todos os tempos, porque assim como o personagem Ben, eu também tenho uma "desordem" do espectro do autismo: a sindrome de Asperger. A razão de eu colocar a palavra "desordem" entre aspas é que por experiência própria eu digo que sem essa "disordem" eu não saberia as coisas que sei e provavelmente, pela minha criação eu seria apenas parte da massa amorfa e volúvel que compõe a atual sociedade. Gosto de pensar que as pessoas precisam se esforçar vigorosamente para se "desplugar" da máquina, mas um Asperger já nasce com essa característica e consegue enxergar além da visão de carne: através da visão da mente.

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