terça-feira, 21 de outubro de 2008

Lógica: Uma Viagem Pela História

Falar sobre lógica é algo extremamente arriscado. Afinal, apenas o ato de falar pressupõe um raciocínio proveniente de um pensamento. Enquanto a sentença é mentalmente formada a lógica pode estar a espreita para pegar você! Ela poderá lhe afirmar que você formulou um juízo de forma incorreta e pode lhe dar alguns passos para formular juízos que sejam mais seguros no que concerne a um conhecimento real.

Porém o que é lógica? Quando surgiu? Para que serve? Todas estas questões são complicadíssimas de responder, afinal a lógica ganhou status de semi-deusa e hoje caminha com suas próprias pernas. Como uma boa revolucionária, abandonou ainda cedo a casa da mãe filosofia e precocemente também virou mãe ao parir os princípios que abriram as portas para a tecnologia contemporânea.

Ao longo da história, diversos pensadores definiram e redefiniram a lógica, criaram correntes para propagá-la, dizimaram a lógica vigente e criaram uma outra. Mas sua principal função, em todos os momentos, foi garantir pensarmos com segurança a respeito de algo.

A etimologia original da palavra Lógica (do grego λογική, Logos) nos remete à significados como palavra, pensamento, idéia, razão, mas principalmente conhecimento por meio da palavra. A grosso modo a lógica é um instrumento do pensamento que nos fornece um conjunto de regras de como pensar adequadamente. Isto porque a linguagem empregada no nosso dia-a-dia não é segura para a formulação de conclusões, por exemplo: a rosa é rosa. Aparentemente o significado abstraído desta sentença parece simples, porém vejam as implicações: a rosa é rosa, assim como eu sou eu? A rosa é alguma coisa que não ela mesma? A rosa pode ter um ou mais atributos cujo resultado seja rosa?

Percebam que temos um problema grave. Através da nossa língua ordinária podemos facilmente nos confundir e tirarmos conclusões errôneas. Com a utilização da lógica eu resolvo isto de forma clara e evidente, apenas separando o sujeito do predicado. Se eu quisesse dizer a rosa é rosa, assim como eu sou eu, diria assim: S{x} = S{x}. Fica claro que estou afirmando que o sujeito rosa é o sujeito rosa e pronto! Se quero dizer que a rosa é alguma coisa que não ela mesma poderia dizer: S{x} = S{y}. No último caso, para dizermos que o rosa sujeito é diferente do rosa predicado podemos dizer assim: S{x} = P{c(x)}. Vejam como eliminamos os possíveis erros de interpretação apenas ao utilizar uma linguagem lógica!

O primeiro a iniciar um estudo claro e bem documentado sobre lógica foi o filósofo grego Aristóteles (e nem poderia ser outro, o cara só criou todos os fundamentos para Política, Ética, Física, Metafísica e Biologia entre outros), que compilou tudo num volume denso chamado Organon. Porém este estudo não levava o nome de Lógica (este foi atribuído posteriormente por Boécio), mas sim aquilo que o livro discorre. Ou seja, somente depois de algum tempo os pensadores atribuíram ao Organon como um livro que falava sobre lógica.

E sabe por que a lógica aristotélica é tão levada em consideração ainda nos dias de hoje? O que foi escrito há mais de 2000 mil anos permaneceu até há pouco tempo sem nenhum questionamento quanto aos seus fundamentos, tão avançado é o sistema do estagiro. Portanto, os resultados obtidos com o seu estudo são tão positivos, que ninguém levantou a hipótese dele estar errado. Somente no século passado, quando surgiu a lógica moderna, foi verificado que na lógica aristotélica haviam alguns erros – na verdade, sua teoria foi brutalmente atacada, principalmente por Frege – justamente porque ela se aplica somente termos universais, nunca referindo-se a termos singulares. Isto porque fica evidente que Aristóteles só estava preocupado em criar a disciplina, ao invés de fundamentá-la, pois se tivesse feito isto talvez se mantivesse imbatível por muito mais tempo.

Para entendermos melhor como Aristóteles teorizou aquilo que ele chamava de ciência da demonstração ou do saber demonstrativo, vamos observar o exemplo clássico abaixo:
Todo homem é animal.
Todo animal é mortal.
Logo, todo homem é mortal.
Fazendo uma análise de lógica aristotélica, temos os termos, que não necessariamente precisam ser verdadeiros: homem, mortal e animal. Neste caso, o termo médio seria 'animal', sendo que na primeira proposição ele é objeto e na segunda ele é predicado. Isto é chamado de teoria da inferência ou silogismo.

No fim da idade antiga e durante a idade medieval, o ensino da lógica compreendia:
  • teoria das quinque, voces ou predicáveis;
  • teoria das categorias ou predicamentos;
  • doutrina das proposições e regras de conversação;
  • doutrina do silogismo categórico;
  • doutrina do silogismo hipotético;
  • dialetica: tópica e doutrina dos sofismas ou fallaciae;
Além destas doutrinas e teorias (que eram creditadas principalmente a Aristóteles e os estóicos), os medievais acrescentaram as seguintes doutrinas:
  • doutrina da designação e denotação;
  • doutrina dos signos lógicos e das proposições moleculares;
  • doutrina da implicação material;
Tudo isto faz parte da lógica a qual nos dias de hoje denominamos como semântica.

Como Aristóteles não havia fundamentado a lógica, na idade medieval foi questionado quais seriam os objetos da lógica: entidades reais, pensamentos ou formas de discurso? Os termos universais seriam substâncias reais? O questionamento começa com Porfirio e uma solução fraca é proposta por Boécio. Assim sendo, surgem correntes que afirmam a existência do universal (os realistas) e outros que negam (os nominalistas).

Pouco tempo depois, Abelardo estabelece sua própria teoria como comentário ao texto de Aristóteles. Ele diz que os objetos da lógica são as palavras e os discursos com intenção de significar alguma coisa na experiência. Surgem então duas correntes: via antiqua – que seguia a tradição realista – e a via moderna – onde não importa se o objeto é real ou não.

Foi este ultimo que se firmou na modernidade, visto que a existência ou não dos universais fazia mais parte de uma discussão metafísica do que uma discussão lógica. A partir daí temos um problema que vai chegar até os dias de hoje: Seria o pensamento manifestação da lógica, que estaria num plano superior e que irá determinar como nós conhecemos as coisas através de conteúdos semânticos, ou seria a lógica que tem origem no pensamento humano?

O primeiro problema seria retomado por pensadores contemporâneos (como Russell, Frege e Wittgenstein) e iria concebê-la como uma lógica formal pura.

Um outro problema iria fazer com que a lógica fosse novamente motivo de discussões no final da idade medieval e inicio da idade moderna: seria a lógica ciência – como a matemática – ou arte – como forma de obter um argumento correto e verdadeiro? Este problema iria levar alguns pensadores a fazer uma reforma da lógica no chamado ramismo (iniciado por Petrus Ramus – um humanista).

Assim, com o renascimento da geometria euclidiana, havia um problema em estruturar os discursos dentro deste rigor proporcionados pela geometria de Euclides. Descartes e Pascal foram além destas estruturas e reproporam uma nova discussão acerca da lógica formal ao questionar qual era a validade das deduções de uma linguagem perfeita (a matemática), uma vez era que constituída em cima de axiomas. Surge um novo problema para ser resolvido.

Paralelamente Hobbes começa o embrião de uma idéia que iria evoluir até conceber a lógica como nós a conhecemos hoje: o raciocínio humano seria como uma calculadora lógica, portanto poderia ser traduzido como combinação e transformação de símbolos conforme certas regras convencionalistas. Valendo-se de uma simbologia (como A,B,C,...,X,Y,Z; a,b,c,...,x,y,z) e operações de aritmética (como +,-,=) seria possível trabalhar uma lógica formal matemática do discurso.

Dado o ponta-pé inicial, pensadores de porte tentaram desenvolver estes conceitos como Leibniz, Lambert, Holland e Castillon. Eles não tiveram muito sucesso, porém a idéia desenvolvida pela escola leibniziana foi importante para o renascimento da lógica, afinal, eles formularam uma tese onde lógica seria uma espécie de arquitetura da razão, e este seria o objeto da lógica a partir de então. Aqui há um rompimento com a idéia de uma lógica relacionada com a psicologia, onde ela poderia guiar ou não o pensamento humano.

O responsável por este rompimento é Kant, que firma a lógica como doutrina formal pura. Porém, ao lado desta doutrina, Kant insere uma lógica transcendental que coloca como doutrina das funções puras da consciência, que seria interpretada posteriormente por Hegel, influenciado pelo idealismo, como uma metafísica da mente ou do pensamento. Assim a lógica rompe com seu propósito tradicional e se converte em uma filosofia do pensamento.

Haverá mais algumas discussões, como não poderia deixar de ser: a lógica foi pensada como teoria do conhecimento tanto por positivistas (com seus métodos naturais), como por idealistas (como seus métodos metafísicos-transcendentais). Em 1838, Bolzano repropõe a volta da lógica como uma doutrina formal pura das proposições independente dos atos psicológicos, assim como Husserl 90 anos depois.

Depois de séculos de combate, finalmente temos uma lógica formal pura que irá ser característica de nossos tempos. A virada começa com matemáticos e filósofos da escola inglesa, como Bentham, Hamilton e De Morgan, que superariam os obstáculos encontrados anteriormente por Leibniz e sua escola doutrinária, e que iriam trazer a lógica como uma disciplina da matemática.

É aqui que entra uma espécie de extensão à lógica aristotélica: anteriormente haviam quantificadores apenas para os sujeitos (como quando dizemos "todos os animais são mortais"). Hamilton passa a introduzir quantificadores também para os predicados (como "todos os animais são alguns mortais"). Neste novo ponto de vista extensional, os conceitos são considerados classes ou coleções de objetos, as proposições são consideradas inclusões ou exclusões totais ou parciais de classe. No nosso exemplo, "todos os animais são mortais", a classe "homem" está incluída na classe "mortal".

Então mais uma série de Matemáticos (como Boole, Jevons, Venn, Whitehead, Schröder, Poretsky, Couturat) criaram a disciplina Álgebra da Lógica, que nada mais é do que um cálculo de classes, que se assemelha a álgebra em muitos aspectos mas tem suas próprias particularidades (como todo o discurso só pode ser verdadeiro – valor 1 – ou falso – valor 0).

Estes princípios irão fazer com que no início do século XX, Frege, Peano e Russell criem a Lógica Matemática, que era constituída pelo cálculo proposicional e o cálculo das funções proposicionais. Este movimento é conhecido como Logicismo. Aqui entra uma simbologia para lógica que até hoje é a utilizada para estudo nas universidades. Poucos anos depois, houve mais um aperfeiçoamento extensional por Wittgenstein que distingue as proposições atômicas de moleculares ("p ou q" será verdadeiro se, e somente se, pelo menos p ou q for verdadeiro).

Esta lógica simbólica irá se desvincular do seu estreitamento com a matemática, justamente porque sua linguagem é auto-suficiente, e irá se tornar autônoma. Isto significa que ela serve tanto de instrumento de análise científica, como aplicada a filosofia analítica – como foi utilizada pelo próprio Russell, Wittgenstein, Wisdow e pelos positivistas lógicos, que nasceriam anos depois e dariam origem a algo ainda maior chamado semiótica ou teoria geral dos signos.

A lógica se torna estritamente uma forma de analisar a linguagem, chamada de lógica formal analítica, e não mais uma lógica para o conhecimento. Paralelamente, temos a Lógica matemática, que continua em vigor no círculo acadêmico e que é a base para a evolução da tecnologia e conseqüente criação da inteligência artificial.

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