terça-feira, 28 de outubro de 2008

A Máquina Engasga

Eu nunca havia entendido muito bem como funciona o mercado de ações e a bolsa de valores, porém um amigo elucidou melhor alguns pontos de dúvida e, aliado a um texto da revista Super Interessante de Novembro de 2008, as coisas ficaram mais claras. Fiquei um pouco mais interessado quando um outro amigo falou que tudo o que acontece neste mundo, onde o Deus-Dinheiro rege, se encaixa bem em meus sistemas filosóficos. Portanto resolvi dar uma conferida e observei que ele estava correto: é o hiper-real em suas mais diversas facetas.

Mas como funciona este tal do mercado de ações e o que é uma crise? Irei valer de um parelelo do texto da revista mencionada no parágrafo anterior que eu achei fácil de entender: no século XVII, precisamente na Holanda, as tulipas se tornaram uma espécie de flor eletizada: diversas classes detentora do dinheiro utilizavam da flor para demonstrar o seu status social, logo, o seu poder financeiro perante a sociedade. Haviam diversos tipos de tulipa e quanto mais raro o tipo, mais caro ele custava. Enfim, este era um mercado em ascensão e muitos estavam lucrando. Porém, as tulipas só eram comercializadas na primavera, que é o período a qual estavam prontas para serem vendidas, sendo que no resto do ano não havia negócio.

De olho no mercado, uma série de especuladores começaram a comprar os bulbos dos floristas (que é a raiz da tulipa) ainda no inverno, pois quando chegasse a primavera eles esperavam poder lucrar com a valorização do produto. Eles não levavam este bulbo para a casa, levavam apenas um papel para casa dizendo que a tulipa era dele e que qualquer lucro ou prejuizo era por sua conta e risco. Este papel é chamado de “título” no mercado de ações.

Por fim, um especulador não precisava necessariamente vender a tulipa assim que ela despertasse para um comprador. Ele poderia apenas vender o seu título para outros especuladores. Então, se ele pagou R$ 5,00 ao florista, poderia vender por menos lucro para um outro especulador, ou por mais lucro para o comprador final. Nesta época e neste mercado, não havia histórico de prejuizos. Sendo assim muitos queriam enriquecer e não tinham dinheiro para comprar títulos. A solução foi pedir dinheiro emprestado para comprar estes títulos e com o lucro das vendas pagar o débito e ficar com o saldo. Isto é conhecido como alavancagem. Assim mesmo quem não tinha dinheiro podia ficar rico.

Porém a máquina sempre foi uma meretriz sedutora... Para que todo este sistema lindo e maravilhoso se sustentasse, os preços das tulipas deveriam continuar subindo até o fim dos tempos, o quê – e isto é mais claro do que o branco – jamais aconteceria. Porém o sistema entrou em crise mesmo quando descobriram que no mercado dos especuladores estavam vendendo títulos falsos, ou seja, que não dava direito a nenhuma tulipa (a tal da fraude). Isto levou à todos a uma crise de confiança, pois ninguém mais queria comprar estes títulos, visto que não havia como saber o que estavam comprando. Os donos dos títulos, na época, foram a falência, pois seus papéis não valiam mais nada: eram títulos podres.

No mercado de ações a coisa funciona mais ou menos assim, e a crise da máquina – também chamada de crise imobiliária – se assemelha a crise das tulipas: investir em imóveis parecia o investimento mais seguro, pois eles subiam de valor mês a mês, e se o comprador do imóvel não pagasse por ele, os donos dos papéis poderiam reavê-lo. Começaram a investir tanto neste mercado, que logo ele foi esgotado: não havia mais ninguém interessado em comprar residências.

Então a máquina fez uma jogada desleal, rebelde e sarcástica que enganou todo mundo: como não havia mais para quem vender, começaram a conceder crédito para quem não tinha como pagar! Isto para manter os papéis valorizados! Tenho certeza que muita gente envolvida nisto ficou rica ou ainda mais rica da noite para o dia: em tese bastaria vender os seus títulos enquanto eles ainda estavam em alta, pois é óbvio que em breve aconteceria uma tragédia no mercado de ações que faria despencar cada título! A bomba estava armada!

Antes mesmo do golpe dos inadimplentes, os títulos começaram a desvalorizar, afinal não havia mais para quem vender moradias! Nem mesmo para aqueles que não podiam pagar! Logo, os papéis começaram a perder valor. Este foi o primeiro golpe. Na sequência, a inevitável inadimplência surgiu como o golpe derradeiro. Era praticamente o fim. As pessoas que não tinham como pagar foram sendo despejadas de suas casas, e obviamente o preço dos papéis cairam ainda mais, afinal sobravam mais e mais casas para vender sem ter para quem.

Se lembram da alavancagem? Muitas empresas e bancos sobrevivem neste sistema. Para cada valor lucrado, pede-se emprestado valor lucrado x 10 (por exemplo) para investir no mercado de especulação e fazer movimentar o sistema. Logo, muitas empresas são somente papéis circulando no mercado. Ela nem sempre tem caixa e todo o seu valor patrimonial está circulando no mercado de ações. Quando uma empresa que é só papéis vêem os seus títulos se desvalorizarem tanto elas podem chegar a falência, pois ela não vale mais nada no mercado, seus papéis que antes eram tão valorizados agora são papéis podres. A empresa precisa pagar os seus funcionários e sua mão de obra com o dinheiro do mercado de ações, mas como ele não vale mais nada, não tem como pagar os funcionários e nem como produzir mais.

Para não fechar, estas empresas vão até os bancos e pedem empréstimos. Mas com esta crise que estamos passando, são muitas empresas com o risco de prejuízo muito alto. Começa a tal crise de confiança. Os bancos, com medo de perder dinheiro, fecham os caixas e param de emprestar dinheiro para eles mesmos! As empresas, necessitando de recursos, começam a fechar uma atrás da outra (o nome do momento é a GM, que está sem crédito e suas ações chegaram a 31% de desvalorização). A desvalorização chega a tanto, porque com medo que possam perder ainda mais dinheiro, os investidores vendem todos os seus títulos de uma única vez e eles ficam lá, a preço de banana, sem ninguém com coragem suficiente para comprá-los, visto que o risco é altíssimo.

2 comentários:

  1. Seus textos são fantásticos. Você realmente saiu da caverna e consegue ver a luz do sol. Não é fácil encontrar blogs de tamanha qualidade. Parabéns. Merece estar num livro. Posso até não concordar inteiramente com algumas de suas idéias (sou mais otimista), mas tenho de admitir que são muito bem colocadas.

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  2. Olá Malta! Se pudesse, imprimiria o seu comentário e o colocaria numa moldura com bordas douradas, para assim pendurar numa sala de troféus, pois é muito gratificante e recompensador ler palavras como estas que você deixou nesta casa.

    Como expressar a minha gratidão, a não ser com um singelo 'muito obrigado'? Parece difícil encontrar nas palavras algo que retribua o bem-estar que eu sinto quando leio coisas assim.

    Quanto a ser pessimista, não tem jeito. Mas vejo isto como uma coisa boa, pois é no incômodo e na angústia que nos movemos em busca de uma mudança que nos conforte. Uma pessoa que já está tranquila provavelmente não se sentirá muita predisposição - em sua grande parte - para pensar alternativas, uma vez que o seu mundo de algum modo já lhe satisfaz.

    Enfim, deve ser por isto que uma grande parte dos clássicos e quase todos os filósofos tem um teor pessimista em relação ao mundo.

    Uma vez questionaram o mestre português José Saramago por que ele era tão pessimista. Ele respondeu: "Eu não sou pessimista, o mundo que é péssimo"!

    Acho que não preciso falar mais nada...! Espero que você volte outras vezes!

    Até breve,

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