terça-feira, 30 de dezembro de 2008

A Cidade do Sol

Embora eu veja com certa desconfiança os fenômenos pops eles têm algo que não pode ser desprezado: vendem muito. E se eles vendem muito é porque são especialistas em enganar multidões, devido ao marketing investido pensando exclusivamente no lucro, e não no bem estar do consumidor, ou então são realmente bons.

Quando li o bestsellerO Caçador de Pipas”, do afegão Khaled Hosseini, fiquei surpreso com a história que tinha acabado de apreciar. Para um romance de estréia, Hosseini acertou bem no centro do alvo. A história, além de comovente, trazia um pouco do universo que muitas vezes ouvimos falar mas não conhecemos bem: a cultura e organização do oriente médio.

Milhares de cópias vendidas e a inevitável versão cinematográfica veio à tona. Assisti curioso e não me arrependi: a versão estava bem fiel ao original. Ainda assim faltava alguma coisa que tirava o brilho da bela história contada nas páginas do romance. Na época não pude precisar qual era este elemento maior, mas acredito que encontrei o ingrediente primordial: o autor.

Tive a oportunidade de finalizar a leitura de seu último romance, “A Cidade do Sol”, e então percebi que Hosseini sabe como contar histórias para grandes públicos: ele utiliza um vocabulário simples, sem enfeites, para desenhar o enredo e as falas (os leitores mais leigos agradecem); seus personagens têm início, meio e fim – o que envolve o leitor, que acompanha do nascimento ao leito de morte das principais peças; as histórias fazem parte de um tema recorrente nos dias contemporâneos, porém não aprofundados (desta forma, além de se divertir o leitor aprende bastante).

Enfim, “A Cidade do Sol” tem tudo isto e, portanto, também é um bestseller. No livro temos a história de Mariam, uma mulher que simplesmente não teve sorte em sua passagem na Terra, e de Laila, cujo destino promissor foi alterado devido à conflitos em seu país e que acabaram por lhe levar para uma vida cruel e sofrível. No decorrer, a linha da vida de ambas encontram-se.

Mariam é filha de um marajá, porém filha bastarda. Embora o pai goste muito da menina, ela não pode conviver com ele, visto que a própria pressão da família impede que sua reputação possa ser manchada devido à um acidente. Mas isto não impede que, esporadicamente, ele vá visitá-la, o que deixa a menina em estado de graça. Este estado é atingido justamente porque a mãe da pobre garota é uma pessoa extremamente problemática, que desde sempre o que sabe fazer é reclamar e aceitar a vida que tem, afinal para mulheres como ela, segundo suas próprias palavras, só lhe resta uma coisa: aprender a suportar todas as adversidades da vida.

Logo Mariam iria entender o significado de suas palavras. Em sua inocência, pede um presente impossível para seu pai realizar: levá-la ao cinema. Ele jamais poderia aparecer em público com a menina, pois isto seria um disparate muito grande com seus filhos e esposas legítimas. Ainda assim ele faz a promessa e, como era de esperar, não cumpre. Imagine a decepção de uma menina que enxerga na figura de seu pai não só um herói, mas uma ideologia, uma razão e, principalmente, esperança, quando ele não aparece. Ela mesmo não acredita no que acontece e decide ir atrás de seu pai e abandonar a vida sofrida com sua mãe.

Porém ele não recebe a menina, sendo que neste ato surge um outro maior: o vidro que armazena sonhos, desejos e ideias cai no chão e rompe-se em inúmero fragmentos. Este é o marco que inicia o caminho do arrependimento e, por consequinte, o caminho da punição. Ela sabe que, a partir de agora, não tem mais pai. Porém quando chega em casa descobre também que não tem mais mãe: sem suportar a dor de ver sua filha partir, ela acaba por se suicidar.

Mariam, definitivamente, está sozinha. Seu pai, novamente pressionado por suas esposas, acaba por lhe arranjar um casamento com um sapateiro muito mais velho do que ela – a menina mal tinha entrado na adolescência – e sem poder escolher, acaba por casar com este senhor rígido e vai morar em Cabul, capital do Afeganistão.

Lá ela irá ter que suportar todo o tipo de humilhação possível para uma mulher subordinada ao seu marido: ela irá apanhar por não fazer uma refeição que agrade ao marido, irá apanhar por não ser fértil suficiente para gerar filhos, irá apanhar por não limpar a casa da forma que convém ao homem, irá apanhar por qualquer motivo. Irá apanhar simplesmente por existir.

Laila, na contramão de Mariam, é uma garota estudiosa, com pais que apoiam a independência da mulher na cultura islâmica. Seus irmãos vão para a guerra e acabam por falecer em combate, o que coloca sua mãe, que já estava mal por não ter notícias do seus filhos homens, ainda mais no fundo do poço.

Logo, os conflitos no Afeganistão sem complicam ainda mais e bombardeios em Cabul se torna algo rotineiro. Muitos estão por abandonar a cidade natal. No dia em que a familia de Laila decide abandonar a cidade, uma bomba cai em sua residência e ela acaba por perder ambos os pais. Quando recupera a consciência, ela está na casa de Mariam e seu marido, que cuida dela com segundos intuitos.

Ele pede Laila em casamento e ela aceita – afinal ela acabara de descobrir que estava grávida de um namorado que acabara de morrer, segundo notícias de um de seus colegas de quarto. O que ela não imagina é que assinava a sua própria entrada para um inferno vivo. Logo, o destino de Mariam e Laila cruzam: elas passam a sofrer o matrimônio de um homem violento e cruel, em pleno regime talibã, e na dor encontram uma amizade sincera que logo se converterá em amor e confraternização.

Daí por diante, Hosseini transborda uma história muito bonita sobre amizade e superação, sendo que seu romance também vale como livro denúncia de um período negro no Afeganistão, onde mulheres eram acusadas e condenadas, sem serem ouvidas. De certa maneira, Hosseini apoia um Islã cuja mulheres possam ser livres e respeitadas, um Islã livre e libertador, cujas leis valem para todos os seres e não apenas para o sexo feminino.

Um tempo atrás publiquei um vídeo cujas mulheres islâmicas reclamavam justamente do tratamento a qual eram submetidas. O que Hosseini fez foi justamente juntar estes ingredientes e escrever uma das histórias mais dramáticas de grande expressão dos últimos tempos, onde ficção e realidade se confudem e cujo olhos de quem leu jamais verão as mesmas coisas quando se depararem com estes tipos de atrocidades.

Detalhe importante: o título original do livro, em inglês, se chama “A Thousand Splendid Suns”, que em português fica algo como “Os Mil Sois Explêndidos”, que é uma parte do poema “Cabul”, do poeta persa Saeb-e-Tabrizi. O título original tem muito mais a ver com a história do que o título em português – que fica totalmente fora de nexo. Porém confesso que o título em português chama mais a atenção do que o original.

A Cidade do Sol
Khaled Hosseini
Nova Fronteira
1ª Edição – 2007 – 370 páginas

2 comentários:

  1. Oi Evandro!

    Eu ainda não li esse, 'A Cidade do Sol'. Dei de presente de aniversário para um amigo. E ele gostou muito.
    E gostei muito do 'O Caçador de Pipas'. Esse, eu dei de presente para 4 amigos.

    Bom Final de Semana pra ti!
    Beijos,

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  2. Concordo com tudo que disse, o livro é realmente emocionante. Realista a ponto de mostrar a crueldade humana, tanto dentro como fora de casa.
    Confesso que chorei muito na parte que transcorria a execução de Mariam de tudo que ela passou. Mas como ela mesma pensou, sua passagem aqui na terra com certeza não foi em vão.

    Livro recomendadíssimo.

    Liza

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