domingo, 11 de janeiro de 2009

Demian

Acredito que este ano de 2009 pertencerá a Kant, Schopenhauer e Nietzche, pois as poucas leituras que fiz neste princípio de ano retomam estes três grandes filósofos. A primeira destas leituras se trata de Demian, clássico de Herman Hesse - nobel da literatura alemão mencionado anteriormente neste blog pelo livro Sidarta - onde uma análise introdutória de Nietzche pode ser observada, visto que parte de suas ideias podem ser observadas nas entrelinhas do romance.

O livro é todo narrado em primeira pessoa por Emil Sinclair, um jovem proveniente de berço nobre e de família tradicional. Toda a sua criação é baseada em princípios religiosos, seus pais são amorosos, suas irmãs são educadas. É uma casa onde radia a paz e a felicidade, onde nada falta e tudo é perfeito. Todo este cenário faz com que Sinclair passe a contrastar os dois mundos que estão presentes num mesmo espaço: enquanto sua família vive em abundância, Sinclair observa que outras vivem em total miséria. Enquanto seus pais se amam, um vizinho espanca sua esposa. Enquanto ele vive num paraíso terrestre, outros caminham sobre o inferno. E tudo isto no mesmo terreno, num mesmo cenário.

É interessante que o vislumbre claro destes contrastes é que inicie a busca de Sinclair por algo mais sólido e mais claro. De certa maneira, este ponto de partida faz com que o protagonista saia, ainda que involuntariamente, de sua bolha de conforto e passe para uma espécie de limbo, onde ele caminha sob a tênue linha entre o bem e o mal. Uma vez que ele enxergou estas diferenças, entrou num estado confuso, desorientado, de sofregão e dor. Por este caminho, é comum que muitos leitores que trilham esta linha se identifiquem tanto com o personagem, pois todos compartilham os mesmos desejos e angústias.

Estes contrários presentes no mundo são artefatos de sustentação da vida. Heráclito de Éfeso já havia dito que o mundo é um eterno devir e que todas as coisas possuem o seu contrário, se não fosse assim, não poderia sequer existir. Pois isto o calor traz consigo o frio, o dia traz consigo a noite, a luz traz consigo a escuridão e o bem traz consigo o mal. Sendo assim, porque somente aquilo que se convenciou chamar de coisas boas são desejadas, glorificadas e cultuadas por nós? Se para haver vida também precisamos dar morte, porque não felicitamos a morte?

Em Para Além do Bem e do Mal, temos alguns textos de Nietzche que vão justamente de encontro com estas questões, porém é no Zaratustra que encontramos o confronto com o tradicional, a batalha do individualismo sobre o coletivismo e, no pessimismo defronte o pensamento nietzchiano, a solução sobre como passar os dias sendo justos com todas as nossas experiências e sensações. Tanto é que em Zarastustra que observamos a influência que este exerceu na personagem que irá mudar a vida de Sinclair: Demian.

Demian é um tornado na cabeça de Sinclair. Ele surge por acaso numa das aulas a qual a protagonista frequenta e logo surge uma amizade influente entre os dois. Demian é uma figura única: com tão pouca idade, parece definitivamente resolvido na vida. Se Sinclair busca alguma orientação de como amenizar a angústia de seu peito, Demian irá dizer "Viver é sofrer", assim como disse uma vez Schopenhauer. Demian irá dizer para aceitar esta condição da vida e vangloriar todos estes contrários, pois caso você retenha algum desejo reprimido dentro de si, viverá atormentado pelo fracasso de não seguir os seus instintos primários.

De fato, há de ultrapassarmos as linhas da ética e da moral para sermos o que realmente desejamos ser, pois só ali reside alguma coisa de autêntico a cerca de nós mesmos. Se a mente humana está condicionada aos padrões da sociedade é preciso recusar estas ideias obscuras e saber aceitar o bem e o mal presente em todas coisas. Talvez o grande segredo seja conciliar os dois universos que se apresentam para conviver em harmonia dentro de si.

Demian será o guia de Sinclair durante toda a trajetória do livro: Caim foi injustiçado ao assassinar Abel, pois o seu ato tem uma importância extremamente grande para o desfecho das coisas. Alias, Caim era forte, decidido e seguiu aquilo que ele acreditava, enquanto Abel era franzino, fraco e era praticamente manipulado para viver uma vida que não era sua. Não só Deus, sinônimo de bem, deve ser louvado, mas também o Diabo, sinônimo de mal, que possibilita a existência de Deus enquanto referência de algo bom. Demian irá dizer que será preciso unificar a existência destas duas entidades em uma única: Abraxas, o deus supremo que contém em si todas as coisas.

Inicialmente Sinclair irá recusar Demian, irá se esconder dentro de felicidades aparentes provenientes do coletivismo, como carteados e bebedeiras, para posteriormente descobrir que a felicidade nunca residiu naqueles dias. Logo o caminho de Sinclair irá se cruzar novamente com Demian e ele descobrirá, não da maneira como gostaria que fosse, como acalentar o seu sofrimento ao aceitar como o universo é, assim como a si mesmo.

Enfim, Demian é um clássico de Hesse, escrito num estilo romântico, num período pós-guerra (1919), onde a influência de Nietzche, aliada a busca para compreender todo aquele absurdo, proporciona uma obra fornecedora de pensamentos acerca da vida e serve como abstração para inúmeras reflexões. Mais um que eu recomendo.

Demian
Herman Hesse
Editora Record
39ª Edição - 2007 - 196 páginas

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