No dia 26 de Agosto deste ano a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de decreto legislativo 1736/2009, que basicamente propõe a volta do ensino religioso, de modo facultativo, no período de formação fundamental (que compreende de 1ª à 4ª série do 1º grau – antigamente chamado de primário). Com isto, o projeto foi enviado para o Senado votar e, caso seja aprovado, pode ser que tenhamos esta disciplina na grade muito em breve.
Obviamente este evento gerou uma série de opiniões, algumas solidárias, outras envenenadas contra esta decisão, que em momento algum solicitou a opinião pública, sendo tomada apenas para preservar um acordo entre o governo e a Santa Sé – que representa a Igreja Católica.
Nem preciso dizer que o acordo fere a constituição, que nos dá direito a um Estado Laico (art. 19, I) e a proibição de distinção de indivíduos, dada razões ideológicas, crendices ou culto (art. 5, caput e art.19, III). Isto por si só já é motivo de sobra para os mais ferrenhos debates acerca do tema, afinal de um lado está a Igreja – neste caso uma ação proveniente do catolicismo – e do outro lado estão outras crendices que se unem a descrentes brasileiros.
Como minha opinião foi solicitada, visto que a pessoa não conhecia uma opinião agnóstica a respeito deste assunto, faço valer este texto para que possamos, de forma mais sintética, analisar o seguinte duelo (independente de crença, visto que a Igreja Católica publicamente declara que o ensino religioso não é pró-catolicismo, e sim a favor de um ensino baseado numa ou mais crenças): Religião x Liberdade.
Não é demais lembrar que esta opinião não é única e reflete apenas um dos ramos do que tal decisão implica. Outros textos são muito válidos e podem complementar a leitura, principalmente aqueles que analisam o corpo jurídico, os reais interesses da Igreja e toda a política em torno deste projeto de decreto legislativo.
Tentarei responder de forma satisfatória aquilo que foi questionado: agnóstico, você é contra ou você é a favor do ensino religioso? Esta questão engloba uma série de fatores e está carregada de sentimentos históricos, principalmente quando retomamos uma época onde a Igreja constituía o topo da influência política no mundo. Ainda assim precisamos de cuidado para sermos coerentes em nossa resposta e neutralizarmos os nossos pulsantes nervos que estão para estourar. É preciso conter o grito na garganta.
Depois de refletir por um período a minha resposta é: sim, eu sou a favor do retorno do ensino religioso. Antes que pensem que eu tenho uma tendência religiosa em minha veia agnóstica, irei explicar o porquê de minha decisão.
Meu argumento está intrinsecamente ligado com a questão moral do homem. De certa maneira não podemos negar que as massas convivem num período que podemos chamar de crise da moral, onde a alienação perante as coisas e o condicionamento perante as mídias, assim como o chamado dos objetos, que possuem identidade própria num universo hiper-real, nos passam uma enganosa impressão que somos ilimitados. Este argumento surge com outro que diz que podemos fazer o que bem entender.
Há um conceito antigo que desenvolvi chamado humandróide, que nada mais é do que este homem interligado a culturas cibernéticas e multimídias, onde milhões de informações são processadas de modo subumano, impossíveis de serem analisadas e digeridas, o que faz com que nos tornemos seres automáticos e pré-programados como andróides, dependentes, inclusive, de bens tecnológicos – os chamados gadgets.
Portanto, temos uma crise de moral, onde fazemos sem saber por que fazemos, apenas seguimos o sistema – que é autossustentável e perfeito em si mesmo. Aqui, tudo é permitido. A sociedade do “Admirável Mundo Novo” de Huxley já nem parece ser tão absurda assim. As gangues do “Laranja Mecânica” de Burgess já nem são tão fantasiosas. Cada dia parece que nos aproximamos mais desta sociedade robótica antes vista somente nos livros de ficção científica.
Dostoévski, em seu “Os Irmãos Karamázov”, já lançava a seguinte reflexão: “Se Deus não existe, então tudo é permitido”. Ou seja, quanto mais nos distanciamos de princípios morais (neste caso podemos colocar Deus como uma entidade que representa um princípio de moral), mais estamos propícios a acreditar que podemos fazer o que bem entendemos de forma egoísta e egocêntrica.
É inegável que qualquer religião possui um código moral que visa direcionar os seus membros numa direção que propicia harmonia e bem-estar, mesmo que isto represente controle sobre o nosso modo de pensar e, consequentemente, de agir. E isto, em parte, resolve o problema da crise da moral e projeta, ainda que de modo sinuoso, uma perspectiva de vida social melhor que a atual.
Alguns deverão pensar que se atualmente vivemos num sistema condicionador, por que deveríamos trocar por outro sistema condicionador. Primeiro que não estamos tratando de uma mudança de sistema político e nem pretendemos colocar a igreja novamente no poder. O assunto está ligado exclusivamente à formação de crianças. Não necessariamente estas crianças serão devotas religiosas, mas certamente aprenderão valores básicos de convivência social (como respeito, fraternidade, amizade e perdão) através de um código moral baseado numa hipótese de mundo superior.
Nosso sistema de ensino já provou ser ineficiente para educar crianças, principalmente por que elas mesmas se encontram num período de influência modista. Já é consenso científico que a educação estrutural não vem de casa, e sim do ciclo de amigos, principalmente nesta fase elementar do aprendizado. Então é preciso que as escolas retomem uma disciplina moral, por mais que utilizem da autoridade de uma figura superiora que não pode ser provada (nem a existência e nem a inexistência), visto que ela parece ser mais temida do que homens armados.
Depois deste período fundamental, as crianças passam a formar raciocínios mais complexos e podem chegar à conclusão que Deus existe ou não existe, porém alguns valores já estarão lapidados e com certeza isto lhes ajudarão a serem pessoas melhores (independente de crença). Claro que, dê certa maneira, isto fere o direito de liberdade das pessoas, mas me digam, caros amigos, o que uma criança sabe de liberdade?
Será que é justo permitir que elas façam escolhas tão complexas em tão pouca idade? Se os pais souberem o que querem para seus filhos, basta que matriculem eles em escolas que defendam os seus interesses (uma vez que o projeto votado é facultativo), na religião que melhor lhes atenda – se é que estes pais desejam uma religião para os seus filhos. O que não podem é pensar que seus filhos merecem ser livres, pois a liberdade está mais para desgraça do que para um prêmio.
Pegue existencialistas, como Jean-Paul Sartre, e veja o que eles pensam sobre a liberdade. Só para resumir, assim como dizia o pensador espanhol Ortega-y-Gasset, infelizmente todos estamos condenados a fazer escolhas assim que nascemos. Mesmo que não fazemos nada optamos por isto. Fazer escolhas é um processo penoso, visto que cada esquina leva a uma rua diferente. Por isto mesmo o ser humano tem uma predisposição em deixar que os outros escolham por si, pois isto o isenta de muitas responsabilidades.
Hobbes, filósofo inglês, dizia que se o homem conquistasse sua tão almejada liberdade, não ficaria pedra sobre pedra, por isto era importante transferir o nosso poder de decisão para outra pessoa – neste caso o rei. Isto por que o homem não sabe o que fazer com a liberdade. Em vias de fatos, ninguém é livre e nenhum pensamento é livre de influência, visto que ele não se constrói do nada.
Então qual seria o grande mal em fornecermos uma educação religiosa para nossas crianças? Quando vejo opiniões adversas centradas na moral, vejo que a maioria está carregada de ódio e sentimentos negativos, porém, racionalmente falando, vislumbro que o resultado pode ser obtido. Todavia da forma como se encontra sabemos que o ensino não está bem. Nossas crianças cada vez mais são malvadas e desrespeitosas. Então qual seria o risco da mudança? Ferir uma ética fraca, um direito que não temos numa sociedade que não respeita os nossos pontos-de-vista?
Pois eu prefiro o risco da mudança a manter as coisas como estão. Certamente eu optaria por matricular os meus filhos numa escola religiosa ao invés de uma que ignore totalmente o assunto e deixam os alunos a sua própria mercê e concepção de mundo, criando uma verdadeira torre de babel.
Portanto eu, agnóstico, a favor de uma direção comum e social, sou solidário a uma disciplina de educação moral, e se a única opção for à religiosa, que seja, pois acredito que será melhor para o bem estar de uma sociedade moralmente consciente e respeitosa.
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