
E então Crumb, o Jim Morrison dos quadrinhos, anuncia um projeto onde uma visão do primeiro livro do antigo testamento seria ilustrada. Cresce ainda mais a espectativa quando o autor diz: "é o primeiro livro da Bíblia ilustrado em detalhes! Nada ficou de fora!". Alie isto a polêmica causada entre os grupos religiosos com o lançamento do album e o fato do autor ser ateu. Só poderia ser algo fora de série, não é mesmo? Já imaginava um banho de heresia e violência retratada nos traços crus do autor.
Portanto quando vi o livro exposto na Livraria Cultura, num acabamento de primeira da Editora Conrad - que anteriormente já havia dado um tratamento divino na série Sandman, de Neil Gaiman - não hesitei duas vezes: vou comprá-lo e lê-lo imediatamente! Porém o que era ansiedade, ao longo da leitura, se tornou frustração: o resultado é bem diferente daquilo que eu imaginava. Fui surpreendido sim, mas de forma negativa. Não que o álbum seja ruim, está bem longe disto, porém não temos nada de novo, fora que até agora eu não sei onde reside a polêmica do livro.
Para elencar alguns pontos: Crumb utilizou o texto original do Gênesis para ilustrar o seu álbum. Não alterou nem mesmo um diálogo. Quem leu o Gênesis, seja religioso, historiador, estudante ou apenas por curiosidade, sabe que há partes extremamente maçantes e diálogos redundantes, tipo quando se descreve a genealogia das personagens históricas ("A" gerou "B","C" e "D", sendo que "B" gerou "E" e "F", que gerou "G" e "H" que habitou em "X". "C" gerou "I", "J", "K", sendo que "K" foi pai de "M" E "N", e por aí vai). Na obra de Crumb nem estas partes foram omitidas e, ao meu ver, a ação ficou restrita as limitações do texto bíblico original. Todos sabem que o Gênesis tem histórias que dariam sagas grandiosas, porém na Biblia aparece em poucas linhas. Ao invés de Crumb explorar estas lacunas e criar ações desenfreadas, ficou tão preso ao texto que algumas sagas não chegam até a sexta página após iniciada.
Ademais, a nudez que o autor sempre explorou em suas personagens pouco aparece em Gênesis. Quando aparece não chega a causar nenhum impacto. O máximo de nudez que aparece são os seios de algumas mulheres. Obviamente isto não se trata de um conteúdo pornográfico, mas cadê a polêmica? Ao que parece, o autor não agrada nem à gregos nem à troianos, ou seja, nem aos fãs de quadrinhos nem aos religiosos, pois ao ficar no meio da corda-bamba Robert Crumb deixou um certo sentimento de vazio em seus leitores.
Durante a leitura por vezes achei que aconteceria algo de especial, que ele retrataria as passagens obscuras de modo cruel e as passagens positivas repletas de luz. Porém o que vemos é algo sem sal nem pimenta (embora bem desenhado - até demais para um artista alternativo que visa, principalmente, utilizar-se da arte apenas para deixar uma mensagem). Do meio para frente, já sabemos que não teremos nenhuma surpresa e a leitura chega a ficar cansativa. Vamos ao fim apenas por uma certa esperança de algo vire do avesso, porém não é isto que acontece.
Em contrapartida, o livro é luxuoso, de primeira linha, sendo que o trabalho editorial por parte Conrad merece nota dez! A capa é simples e linda, há diversas notas explicativas - principalmente relacionada à tradução original - tanto entre os quadros como no final do livro, além de comentários do próprio autor. Na prateleira, este é um livro que se destaca dos demais. Pela arte, o livro também se salva. Porém, ao lermos, a experiência é que "já vimos este filme antes", mesmo tratando-se de um livro.
Gênesis
Robert Crumb
Editora Conrad
1ª edição - 2009 - 210 páginas
Como você disse, "o autor não agrada nem à gregos nem à troianos", e acho que foi precisamente isso que Crumb queria. Ele se manteve (quase) imparcial, mesmo sendo ateu (a verdade é que se atentar as ilustrações, em relação ao texto elas procuram demonstrar certas passagens de forma cômica ao menos). Mas bem, de qualquer modo ele buscou a imparcialidade com o propósito de comparar sua obra a muitas outras interpretações do Gênesis feitas por religiosos. Li um comentário dele na revista Piauí, sobre esse trabalho, onde contava exatamente isso, como tantos (senão todos) resumos ou textos ilustrados da Bíblia, feitos por religiosos, cometem o erro atroz de ter (mais) ficção acrescida a narrativa, além de excluir fatos importantes ou traduzir livremente com base somente na opinião do autor, ou da instituição que ele representa. Crumb quis apenas que sua obra fosse comparada em seriedade a outras da mesma linha. Desbancando ainda mais instituições e autores religiosos do que se procurasse representar suas próprias interpretações. Afinal, quem realmente está respeitando os escritos bíblicos, um ateu ao representá-lo sem falhas, ou um religioso ao pregar sua própria visão distorcendo os escritos originais?... Agora me diz se pensar assim não o faz rir :)
ResponderExcluirOlá Thiago! Concordo que esta foi a intenção do autor - e ele atingiu seus objetivos com maestria. O que eu não entendo é por que tanto reboliço, visto que o álbum nem de longe é polêmico. Como você mesmo diz, ali esta o desenho nu e cru de algo que não foi interpretado, apenas desenhado.
ResponderExcluirPorém quando encontramos a obra de um artista do calibre de Crumb esperamos por cenas fortes e acidez. Ainda mais que a midia especializada noticiou diversas polêmicas envolvendo as diversas crenças, porém não é este o caso. Fiquei com uma sensação de "tantos comentários por isto?"
Crumb fez nestes quadrinhos algo que já havia sido feito no cinema em outras ocasiões e mesmo em outros livros ilustrados temáticos, por isto digo que não houve inovação. Mas sendo a criação proposital, claro que ele foi 100% eficiente, pois se manteve fiel a risca.
Obrigado por seu comentário! Espero que você retorne em outras ocasiões!
Abraços,